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H. Artes, Letras e Lingüística - 5. Semiótica - 1. Semiótica | ||
OBJETOS DEFLAGRADORES DA MEMÓRIA: UM ESTUDO SOBRE ALGUNS VESTÍGIOS DA GUERRA DE CANUDOS | ||
Ana Paula Silva Oliveira 1 (anaoliveira@puc-campinas.edu.br) | ||
(1. Depto. de Ciências Sociais, PUC Campinas - PUCCAMP) | ||
INTRODUÇÃO:
Elaborada com base em fontes orais, o objetivo desta pesquisa é analisar alguns objetos guardados como lembrança pelos habitantes da cidade de Canudos relacionados ao combate travado na região entre 1893 e 1897. A proposta é avaliar como se dá o processo de transformação desses objetos em memória, tendo como focos os depoimentos e imagens dos sertanejos.Para isso, é feita uma abordagem semiótica dos processos envolvidos nos mecanismos de memória e esquecimento verificados nesses relatos, além da discussão da memória no tempo histórico. Tendo em vista tais preocupações, a pesquisa divide-se em três capítulos. Em cada um deles, os objetos são vistos como imagens que remetem a várias outras, formando um feixe de significados. Os títulos correspondem à recuperação dos nomes dos objetos dados pelos sertanejos. Presentes na destruição de Canudos, a manulicha(fuzil Mannlicher), a matadeira e o facão podem ser entendidos como síntese desse conflito. Por meio dessa disposição, foi possível salientar alguns aspectos relativos ao trabalho realizado pela memória como os acontecimentos da memória, o estudo do imaginário e as estratégias do esquecimento. |
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METODOLOGIA:
Os depoimentos, colhidos com a utilização de câmera de vídeo, foram transcritos de maneira a reproduzir com a máxima fidelidade possível o discurso do sertanejo. Além disso, o registro das imagens permitiu observar cuidadosamente a oralidade presente nos relatos. Deve-se salientar que, ao contrário do que imaginava, a câmera não inibiu os depoentes, pois em alguns casos incitou os interlocutores a narrarem histórias e “causos” lembrados. Embora existam vários livros sobre os fatos relatados pelos depoentes, em nenhum momento houve a intenção de comparar essas narrativas com a história oficial, mas compreender como essas informações são recriadas em suas lembranças.As histórias contadas pelos interlocutores foram espontâneas, pois não havia um questionário pré-estabelecido. Falou-se a respeito do objetivo da pesquisa e do interesse em saber o que se lembravam do conflito. Foram cinco os depoentes selecionados para esta pesquisa: Seu João de Régis, cujos pais partiram atrás do Conselheiro, seu José Calixto, neto de Pedro Calixto, braço direito de Antônio Conselheiro, seu Edmundo Cerqueira Campos, cujo pai foi guia da polícia no combate, John Cat, guia turístico local e dona Josefa Severiano de Jesus, única sobrevivente encontrada na região. Todos os depoimentos tinham as cortesias e os agradecimentos de sempre. De cada um deles, há passagens, cenas em volta, gestos e algumas falas. Embora breves, os contatos foram intensos e, às vezes, regidos por espessa melancolia. |
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RESULTADOS:
Este estudo sobre alguns vestígios que deflagram a memória dos depoentes é resultado não só de várias observações e viagens feitas a Canudos nos anos de 1996 e 1997, como também de uma pesquisa sobre a obra de alguns autores que refletem sobre a memória, como Pollak, Halbwachs, Bergson e Iúri Lotman. No cruzamento destas reflexões, a análise dos objetos como um texto de cultura tornou-se fundamental. Embora dissonantes em alguns momentos, as vozes registradas nesse percurso vêm depor sobre aquilo que viram, ouviram e leram , imaginando e recriando lugares e situações. Essa memória viva e em presença citada por Paul Zumthor pode ser notada em cada gesto, olhar e palavra dos interlocutores. No trabalho da memória realizado, os depoentes encontraram o início das peregrinações de Antônio Conselheiro pelo sertão e sua chegada a Canudos. Reconstruíram diálogos entre os avós e o beato e falaram a respeito da construção do arraial de Belo Monte. Salientaram a fartura existente naquela época e compararam com a existente hoje por causa da construção do açude. Avistaram casas, ruas, pessoas, circunstâncias. Em alguns casos, viram cangaceiros e conselheiristas lado a lado. Emocionados, recordaram-se dos parentes mortos na batalha e deixaram aflorar seus sentimentos. E, assim, em meio às lembranças, eclodiram a manulicha, a matadeira e o facão, com sua ausência repleta de significados. |
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CONCLUSÕES:
Não apenas armas utilizadas na destruição de Canudos, esses objetos, ao mesmo tempo em que remetem ao combate ocorrido na região, atestam a continuidade da lembrança, pois trazem as marcas de um acontecimento histórico. No entanto, só fazem sentido para o grupo do qual emergem, porque supõe um acontecimento real vivenciado por esse coletivo, mesmo que “por tabela”. Nas histórias de vida relatadas nota-se que a narrativa “mergulha a coisa na vida do narrador para em seguida retirá-la dele”, como pontua Walter Benjamin. Em tal mergulho, diversas histórias vieram à tona, trazendo as marcas deixadas pela destruição da batalha. Os relatos dos depoentes, muito vivos, carregados de afetividade, várias vezes tristes, carregam em seu bojo um trabalho de reconstrução de lembranças, pois, ao olhar para o passado, os fatos vividos são recriados pelo presente. O acontecimento mais marcante situado nesse passado aconteceu no final do século XIX: a Guerra de Canudos e sua conseqüente destruição, porque representava um perigo para a República. Vinculada à vida rural no país, terminou com uma repressão sangrenta. No entanto, não é possível referir-se ao combate sem levar também em conta o caráter messiânico que envolve esse movimento, pois a figura do profeta Antônio Conselheiro atraiu várias pessoas em torno de suas promessas de igualdade para todos. Embora haja um aspecto social, salientou-se o aspecto místico do movimento, uma vez que é o predominante nos depoimentos. |
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Palavras-chave: Memória; Guerra de Canudos; Oralidade. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |