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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 9. Direito Penal | ||
FATORES INTRÍNSECOS E EXTRÍNSECOS DA IMPUNIDADE DA VIOLÊNCIA SEXUAL DOMÉSTICA CONTRA CRIANÇAS | ||
Mariana Dantas de Paula 1 (marianadp@uol.com.br) | ||
(1. Depto. de Direito Público, Faculdade de Direito do Recife - UFPE) | ||
INTRODUÇÃO:
Estimativas recentes do LACRI (Laboratório da Criança da Universidade de São Paulo) e do Serviço de Advocacia da Criança da cidade de São Paulo indicam que mais de 6 milhões de crianças sofrem abusos sexuais todos os anos no Brasil, sendo que na maioria dos casos (62%) a violência ocorre dentro da casa da vítima e tramita no tênue limiar da demonstração de carinho físico entre entes queridos e carícias traumatizantes. As mesmas fontes calculam que menos de 2% dos crimes deste jaez são notificados à polícia O presente trabalho, pois, enfoca os fatores intrínsecos (inerentes ao comportamento da família e da sociedade ante a questão) e extrínsecos (relativos à adequação da infra-estrutura física e organizacional disponibilizada pelo Estado) que embasam a impunidade do abuso sexual doméstico infantil. Objetiva-se explicitar em que medida cada um desses fatores concorre, não só para a sub-notificação dos delitos, mas para a aferição do senso de justiça em cada caso, ante o sopeso do direito da criança-vítima a uma possível reabilitação de sua célula familiar. |
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METODOLOGIA:
O trabalho foi desenvolvido a partir de um estágio curricular realizado junto à Defensoria Pública da Criança e do Adolescente, em razão do qual, por meio de audiências e atendimentos à população, pôde-se testemunhar tanto a fragilidade do sujeito passivo da violência sexual doméstica contra crianças e a complexidade de sentimentos nutrida pela vítima contra o agressor (seu pai, na maior parte dos casos), quanto a inadequação do aparato jurídico-estatal para lidar com a apuração e punição de crimes desta natureza. No desenvolvimento do trabalho de pesquisa, foram trazidos à argumentação obras de referência jurídicas (Direito Penal), bem como de Sociologia, Psiquiatria e Psicologia. A bibliografia constou de livros, artigos, cartilhas e compilações legislativas. Formalmente, buscou-se, enfim, o enquadramento da metodologia monográfica ao foco de um panorama social a respeito do qual foram inferidas generalizações as quais se pretendem científicas (método indutivo). |
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RESULTADOS:
No estudo, constatou-se que os fatores intrínsecos da impunidade da violência sexual doméstica são os relacionados à omissão da própria vítima, da família e da comunidade. O silêncio é devido por um lado, à dependência emocional ou econômica da vítima e de sua família ao agressor e por outro, ao senso de inviolabilidade da vida privada familiar consagrado do cotidiano social muito antes de constar do inciso X, art. 5º da Lei Máxima brasileira. O dever de denúncia consta no Código Penal, não obstante a omissão, tanto por parte de médicos, professores, assistentes sociais e figuras afins (art. 135), como pelo responsável não-agressor pela criança-vítima, este último sob pena de co-autoria em corrupção de menores, por exemplo. Já os fatores jurídico-institucionais (extrínsecos), retratam o desestímulo à denúncia emanado dos ambientes das delegacias, dos procedimentos de inquérito adotados e do tratamento dispensado pelas autoridades policiais e judiciais às poucas notificações de violência sexual doméstica contra crianças que lhes chegam às mãos. Assim, objetivamente: o constrangimento dos relatos, a carência de cortesia, paciência e sensibilidade dos agentes que recebem a denúncia e a ausência de agilidade em se adotarem medidas cautelares para a proteção da integridade física da(s) vítima(s) e/ou do denunciante embargam a edificação da perspectiva de amparo pelo aparato jurídico estatal a quem, não obstante os citados óbices, clama ao Estado por justiça. |
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CONCLUSÕES:
Esta pesquisa concluiu que os fatores da impunidade do abuso sexual doméstico contra crianças formam um ciclo vicioso entre si. Ora, se a sub-notificação do crime, em princípio, deve-se a causas de ordem psicológica (medo, dependência do agressor, etc.), ela é confirmada pela cultura da omissão social quanto à denúncia de crimes ocorridos em lares alheios e pela falta de confiança da população na capacidade do Estado em punir com sensibilidade, eficiência e justiça. O ciclo se fecha, à medida que as expectativas negativas da sociedade se confirmam na inadequada estrutura policial e judicial para o processamento de delitos intra-familiares. A reversão do problema passa por uma abordagem especial das denúncias recebidas, como vem sendo feito em alguns Conselhos Tutelares. Destarte, o trabalho de uma equipe interdisciplinar de juristas, psicólogos e assistentes sociais é fundamental para apontar como será aferida a justiça em cada caso, seja pela inexorável reclusão do agressor, seja, ante a submissão voluntária deste a tratamento psiquiátrico, pela tentativa de reabilitação da unidade familiar, mediante o acompanhamento psicológico de seus membros (em especial, a criança abusada) e o monitoramento pelo Serviço Social da família em questão. Tal abordagem afronta os fatores extrínsecos da impunidade da violência sexual doméstica contra crianças, afetando os alicerces do problema e renovando as esperanças de um Estado comprometido com os direitos dos menores. |
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Instituição de fomento: UFPE | ||
Palavras-chave: violência sexual doméstica; violência contra crianças; impunidade. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |