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G. Ciências Humanas - 7. Educação - 7. Educação Infantil
OS CONTOS DE FADA NO CONTEXTO ESCOLAR: CINDERELA, DE ARQUÉTIPO A PROTÓTIPO.
Valdete da Macena Pardinho 1, 3 (valdete@uai.com.br) e Sônia Maria Vicente Cardoso 2
(1. Departamento de Educação, Universidade do Estado da Bahia - UNEB; 2. Departamento de Educação, Universidade de Franca - UNIFRAN; 3. Escola Estadual J. Stalim Romano - Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais)
INTRODUÇÃO:
Por que os indivíduos, independente de limite geográfico, situação sócio-econômica apresentam idéias, comportamentos, desejos, sentimentos tão similares? Essa foi a questão motivadora de nossa pesquisa. Para responder, reportamos a Jung, psicanalista suíço, mentor da psicologia analítica que postulou que os seres humanos não nascem como um papel em branco, além dos impulsos e instintos, traz ao nascer um componente importantíssimo que lhes prepara para as experiências da vida: os arquétipos. De natureza coletiva, universal e uniforme, este componente do inconsciente coletivo surge em forma pura nos contos de fada, nos mitos e no folclore. Recortamos, pois, o conto Cinderela, publicado por Perrault em 1697, para nosso objeto de estudo, na crença em que este conto evidenciou um arquétipo muito privilegiado na sociedade moderna: o sonho Cinderela o qual traz a emergência do oprimido; apologia à beleza física, estigmatização da madrasta e reforço ao modelo capitalista. Partindo daí, discutiremos a transição dos arquétipos, imagens primordiais inerentes a todos os humanos, a protótipos, imagens construídas na e pela sociedade.
Objetivamos subsidiar os professores da educação infantil com argumentos coerentes adquiridos através de nossa investigação e análise sobre o uso da literatura dirigida às crianças; discutir as funções sociais da obra literária e da pedagógica; conscientizar o educador da importância de apresentar aos alunos outras imagens arquetípicas além das tradicionais; esclarecer a noção de arquétipo e protótipo como instrumento de formação psico-social.
METODOLOGIA:
Optamos pela pesquisa qualitativa, num enfoque exploratório e descritivo, em função da crença de que este tipo de investigação é direcionado fundamentalmente para a descoberta e compreensão do fenômeno pesquisado, podendo trazer significativas contribuições tanto em nível teórico quanto em nível da prática educacional.
Participaram deste estudo, 238 alunos da Educação infantil, do Ensino fundamental (2ª, 4ª séries) e as respectivas docentes destes, pela modalidade da observação; 50 alunos do Ensino fundamental (8ª série), do Ensino médio (1º e 3º anos) e 20 professores da Educação infantil e Ensino fundamental (1ª a 4ª) pela modalidade da entrevista semi-estruturada. Quanto ao cenário da observação, foram selecionadas quatro escolas (02 municipais, 01 estadual e 1 particular) da cidade de Nanuque (MG).
Para realizar a investigação, foram utilizados os seguintes instrumentos: a observação, entrevistas semi-estruturadas, depoimentos, levantamento bibliográfico e análise de documentos. Centramos nossa análise nestes documentos sob o enfoque psicológico e literário, baseando não só no que estava literalmente escrito, mas também no conteúdo simbólico das mensagens.
Os dados foram coletados diretamente junto aos professores, alunos e através de leitura de documentos previamente selecionados, sendo a escolha circunstancial, intencional e planejada antecipadamente tanto na observação, quanto na entrevista e análise de documentos.
RESULTADOS:
A análise rigorosa dos instrumentos utilizados em nossa pesquisa, ratificou algumas hipóteses que nos permitiu construir argumentos os quais colocamos como resultados de nosso trabalho. Das observações, percebemos que a prática pedagógica do contar histórias nas escolas são similares em muitos aspectos: O mesmo tipo de história — mesmos arquétipos; dia e horários determinados; preferência pela história oral; ênfase nas partes da história cujo objetivo era moralizar, instruir; associações entre a ficção e a realidade dos alunos. Das entrevistas e depoimentos, percebemos nos alunos entrevistados a evidência clara das imagens arquetípicas dos contos de fada, especialmente, a imagem de Cinderela, como uma emergente social, realizada, heroína. Nos professores, sentimos a força da enunciação, mesmo quando a história não tinha perfil instrutivo, voltada para a doutrinação da criança. Na análise documental e entrevistas constatamos, tanto nos livros que circulam na escola, quanto nos suportes que circulam em outros segmentos sociais, a grande força da personagem Cinderela, não como arquétipo, mas como protótipo de uma sociedade que supervaloriza a beleza física e instrumentaliza o capital como promotor de certos constructos sociais. Além destas inferências, vimos uma sociedade que solicita a desconstrução da imagem arquetípica da madrasta dos contos de fada, protagonizando uma outra imagem socialmente aceita e dentro desta visão percebemos, outro aspecto importante advindo do conto: a emergência do oprimido enquanto representante da imagem arquetípica de Cinderela.
CONCLUSÕES:
Entendendo a literatura como uma dialética importante na formação do indivíduo, assim como um produto da recriação da realidade, constituindo um registro da herança cultural deixada pela espécie humana, mostrando-nos a dinâmica da vida, questionamos a escola enquanto utilização da literatura como cartilha para moldar a criança, inviabilizando seu processo de individuação. Individuação esta que significa tornar-se o ser único, diferente, a conquista mais difícil do ser humano que pertence a uma sociedade coercitiva e presa aos interesses do regime capitalista. E a escola enquanto segmento desta sociedade, fragiliza ainda mais o processo de libertação do indivíduo na medida em que transforma os arquétipos, em protótipos, reforçando a coerção, tirando da criança a possibilidade de construir sua própria identidade e desenvolver a criatividade. A prática pedagógica do contar histórias parece ser a tônica deste processo quando vimos a insistência em transformar o livro literário num manual de instrução. Mas, mesmo assim, a literatura dos contos de fada, ainda propõe ao leitor envolvimento e cumplicidade, além de alimentar seu imaginário, ora proporcionando a esperança, ora criando ilusões. Portanto diante do poder que tem a literatura enquanto suporte arquetípico, trazendo consigo concepções, valores, ideologias, faz-se necessário uma revisão da prática do contar histórias na escola para que não sejamos instrumentos da manipulação de uma sociedade que não desejamos.
Instituição de fomento: Universidade do Estado da Bahia - UNEB
Palavras-chave:  Literatura na educação infantil; Arquétipo e protótipo; Vontade enunciativa.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005