IMPRIMIR VOLTAR
F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 12. Direito
ORGANIZAÇÃO POPULAR E DIREITO: LIMITES E POSSIBILIDADES DO DEBATE E DA PRÁTICA DO DIREITO NO COTIDIANO DO POVO.
Helena de Assis Mota 2, 3 (helenamota@directnet.com.br) e Antônio Alberto Machado 1, 2
(1. Depto. de Direito Público, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Franca; 2. NEDA, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Franca; 3. NATRA, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP/Franca)
INTRODUÇÃO:
O debate do acesso à justiça há tempos tem destacado a aparente incapacidade das instituições estatais em oferecer respostas às demandas vivenciadas pela maior parte da população brasileira, a qual, constituída pelo imenso contingente humano dos menos favorecidos na escala social, ainda não logrou ver realizados seus direitos mais básicos, como alimentação, saúde, moradia e trabalho. Tais instituições enfrentam, portanto, aguda crise de eficácia e legitimidade perante a população; este fato é evidenciado pela pouca participação popular nas instâncias estatais e na insatisfação destas camadas da população quanto às soluções propostas pelas instituições formais; paralelamente, registra-se um incremento no surgimento de organizações autônomas, propondo formas de ação mais diretas para a concretização de tais direitos. O presente trabalho visou caracterizar o debate e as relações de direito estabelecidas pelos sujeitos das organizações populares com as esferas jurídicas formais, bem como evidenciar os limites e as possibilidades destas experiências em relação às esferas institucionais responsáveis pelas políticas públicas de efetivação dos direitos sociais. A pesquisa social sobre esta temática, ao abordar assunto de elevada importância e atualidade, busca contribuir de forma positiva para o debate não apenas no cenário acadêmico-científico das universidades, mas também no cenário sócio-político nacional.
METODOLOGIA:
O método de análise utilizado foi o materialismo histórico-dialético, sob cuja perspectiva deram-se a pesquisa bibliográfica-documental e a observação participante - através da participação da autora em grupos de extensão universitária que trabalham com organizações populares. A metodologia aplicada permitiu a análise conjunta da teoria estudada e dos fatos observados na prática. No âmbito teórico, a seleção das obras procurou abranger os principais aspectos da temática como acesso à justiça, cotidiano popular, pluralismo jurídico e metodologia da pesquisa social. Esta etapa compreendeu leitura, fichamento e debates das obras com o orientador. A observação participante se deu no âmbito dos trabalhos de extensão do NEDA, Núcleo de Estudos de Direito Alternativo e do NATRA, Núcleo Agrário Terra e Raiz, ambos da UNESP/Franca, nos quais buscou-se observar as implicações práticas das situações estudadas na teoria. Nas reflexões teóricas destes grupos, a temática também foi consideravelmente abordada, uma vez que perpassa diretamente os trabalhos desenvolvidos. Estes momentos de abordagem coletiva da temática possibilitaram ainda uma análise interdisciplinar, pois também participam destes grupos estudantes de outros cursos de graduação, como Serviço Social, História e Relações Internacionais. Assim, as experiências vivenciadas pelos sujeitos que participam das organizações populares forneceram variados elementos que auxiliaram a compreensão da temática como um todo.
RESULTADOS:
Em concordância com os mais recentes escritos sobre a matéria, a pesquisa permitiu reiterar a tese de que a causa principal para o surgimento das experiências de organização popular é a insatisfação das camadas populares frente à não concretização de seus direitos. A contínua negação destes gera um cotidiano marcado pela incredulidade do povo em relação às instituições estatais, incentivando o processo de organização. Paralelamente, a ausência das instituições estatais contribui para que relações de direito informais sejam estabelecidas pela população para suprir suas necessidades, caracterizando o fenômeno do pluralismo jurídico. No início do processo de organização, os debates coletivos abordam apenas os direitos negados a determinada parcela da população, delineando-se formas de reivindicá-los; após, passa-se a postular objetivos mais amplos, na perspectiva da transformação das relações sociais. Estes debates públicos trazem à tona as relações de pluralismo jurídico já existentes ou recém estabelecidas pelo coletivo, gerando conflitos com a esfera jurídica formal pois, embora por vezes tais relações sejam reconhecidas (legalização das iniciativas populares), muitas vezes estas são ignoradas e até mesmo negadas pelo direito tradicional. Por outro lado, as iniciativas populares têm apresentado alternativas criativas e viáveis para solucionar antigos problemas sociais, além de contribuir para a afirmação de relações democráticas e participativas no dia a dia da população.
CONCLUSÕES:
Os resultados alcançados com a pesquisa contribuíram para uma maior compreensão da formação e do desenvolvimento dos processos de organização popular nas comunidades de baixa renda da sociedade brasileira. Os dados levantados e as observações efetuadas permitiram traçar as linhas gerais do debate e da prática jurídica cotidiana que se desenvolve nas comunidades em organização. Foi possível inferir que a discussão acerca da negação dos direitos básicos da população nas comunidades de baixa renda, bem como a denúncia pública de tal situação através de ações coletivas contribui positivamente na construção de uma cultura democrática em nosso país. As possibilidades advindas de uma análise séria e responsável sobre o fenômeno do pluralismo jurídico também acenam no sentido da construção de uma cultura jurídica mais participativa. O estabelecimento, mesmo que às vezes de forma aparentemente conflituosa, de um diálogo entre as esferas formais do Direito e o pluralismo jurídico gestado pelo povo em seu cotidiano tem aberto importantes precedentes no sentido de haver processos decisórios efetivamente participativos dentro das instituições públicas, através de relativa incorporação dos anseios populares à atuação das instituições estatais. Por fim, a pesquisa tem atingido seu objetivo de contribuir para o delineamento dos limites e possibilidades do debate e da prática do Direito no cotidiano da população em processo de organização popular.
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  organização popular; justiça; pluralismo jurídico.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005