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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística | ||
UM ESTUDO DE CASO DAS REPRESENTAÇÕES FEMININAS EM DIFERENTES FORMAÇÕES DISCURSIVAS LITEROMUSICAIS | ||
Otávia Marques de Farias 1 (otaviamarques@hotmail.com) | ||
(1. Universidade Estadual do Ceará - UECE) | ||
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho tem por escopo analisar de que maneira se constituem alguns dos sujeitos femininos nos discursos literomusicais de Aldir Blanc e Chico Buarque. Para tanto, selecionaram-se as seguintes letras: Exasperada e O Coco do Coco, de Aldir Blanc e Com açúcar e com afeto e Olhos nos olhos, de Chico Buarque. É de fundamental importância salientar que não se pretende fazer com que essas duas letras de cada autor sejam representativas de suas respectivas obras; isso se configuraria impossível, já que as obras de tais compositores são bastante vastas e diversificadas. O intuito, neste trabalho, é utilizar essas canções como representativas de formações discursivas distintas. Essa análise objetiva comprovar a hipótese de que o discurso que fala da mulher cantado por Chico Buarque nas citadas canções serve como interdiscurso daquele que aparece nessas letras de Aldir Blanc. A importância desse estudo se inscreve dentro da Análise do Discurso baseada em conceitos como o de discurso constituinte, de Maingueneau. Segundo desdobramentos desse conceito, pode-se afirmar que cada uma das duplas de canções referidas atualiza um discurso que se constitui como materialidade de uma formação discursiva, atribuindo sentido a atos do grupo social, indicando modos de sentir, pensar e interpretar os acontecimentos sócio-históricos, elaborando uma memória etc. |
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METODOLOGIA:
No estudo das letras de canções escolhidas, utilizou-se a Análise do Discurso da linha francesa, mais especificamente a de Dominique Maingueneau. A partir dessa linha de abordagem, as letras foram vistas como formas de perceber o que se pode ou não dizer, o que é formulável ou não, a partir de determinada posição em uma conjuntura sócio-histórica. Assim, observou-se de que modo estavam imbricados linguagem e ideologia nas letras selecionadas, tomando-se como pressuposto o fato de que a ideologia se materializa no discurso. O uso do conceito de formação discursiva se dá em decorrência da seguinte noção, fundamental para este trabalho: a constituição semântica de um discurso determinado é decorrência da inscrição da fala de um sujeito em uma formação discursiva específica, onde o que diz só pode ter um sentido e não outro. Desse modo, as mulheres de Aldir Blanc, presentes Exasperada e O Coco do Coco, foram colocadas como semelhantes entre si, mas diferentes das mulheres de Chico Buarque, presentificadas em Com açúcar e com afeto e Olhos nos olhos, também semelhantes entre si. A análise foi feita comparando-se as “duplas”, e buscando comprovar a hipótese de que as desta seriam representativas de um interdiscurso presente no discurso daquelas. |
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RESULTADOS:
Ao fim da análise, há algumas constatações que merecem destaque. Inicialmente, tomando-se as duas letras já citadas de Chico Buarque, pode-se perceber a mulher numa postura mais voltada para uma forma de existência historicamente significativa: a tradicional, em que a mulher não se reconhece como sujeito de desejo. Em Com açúcar e com afeto, tem-se uma mulher não consciente de si enquanto sujeito de desejo, sendo sua subjetividade anulada em função da figura masculina. Em Olhos nos olhos, embora possa, numa leitura superficial, pensar-se o contrário, ocorre o mesmo. Tem-se uma mulher aparentemente moderna, mais liberada, mas que, na verdade, só age assim por ter sido não apenas aconselhada a ter essa conduta, mas que faz o que faz cumprindo ordens do homem que a abandonou. Nas canções de Blanc o movimento é bastante diferente: há uma ruptura. Em Exasperada, a mulher que é cantada um dia já foi como as de Buarque. Hoje, entretanto, busca a expansão através da busca do prazer (que, no caso, passa diretamente pelo aspecto sexual), reconhecendo-se, então, como sujeito de desejo. Em O Coco do Coco esse percurso conflituoso já nem aparece, apresentando-se uma mulher completamente liberada, consciente de si enquanto sujeito de prazer e senhora de seu corpo. Isso é mais significativo ainda, considerando-se ser, nesta canção, o eu-lírico a própria mulher que, além de falar de sua conduta liberal, aconselha uma interlocutora (sem voz) a fazer o mesmo. |
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CONCLUSÕES:
A partir do explicitado no item anterior, conclui-se poder-se considerar comprovada a hipótese de que o discurso presente nas letras selecionadas de Chico Buarque funcionam como interdiscurso para o discurso materializado nas canções escolhidas de Aldir Blanc. Sendo interdiscurso, em certo sentido, um correlato da memória, falando antes, a partir de outro lugar e de forma independente, é ele que possibilita as formulações discursivas que se atualizam baseadas no que já foi dito. Desse modo, um discurso de ruptura como o presente nas letras de Blanc só é possível se houver algo a ser questionado, revolucionado. No caso, o objeto a ser transformado era a mulher não consciente de si enquanto sujeito de desejo, exatamente a que se faz presente no discurso das referidas músicas de Chico Buarque. Em Exasperada, aparece o processo de ruptura, o desejo de passagem de um estado a outro. Em O Coco do Coco, a presença do interdiscurso é mais clara: a mulher-sujeito é eu-lírico e se dirige de forma imperativa a uma interlocutora que não se expressa, mas que está representada no discurso da que fala através da mesma imagem que se faz da mulher de Com açúcar e com afeto ou de Olhos nos olhos. Reitera-se, assim, a comprovação da hipótese inicial relacionada às noções de formação discursiva, interdiscurso e discurso constituinte. |
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Palavras-chave: Análise do Discurso; gênero; representações do feminino. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |