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G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura
UMA ANÁLISE POLÍTICA DA ACUSAÇÃO DE MAGIA CONTRA APULEIO DE MADAURA: O DISCURSO Apologia .
Semíramis Corsi Silva 1 (medeiapoetisa@yahoo.com.br)
(1. Departamento de História, Universidade Estadual Paulista - UNESP)
INTRODUÇÃO:
A obra Apologia foi escrita pelo filósofo platônico Apuleio de Madaura por volta do ano 173 no II século d.C. e trata-se de um discurso de autodefesa diante da acusação de praticante de magia. O objetivo desta pesquisa é analisar tal acusação, infligida contra Apuleio, através deste discurso ainda pouco estudado. Desta forma pretendemos compreender a acusação dentro do âmbito político da cidade onde se desenrola o processo, a villa de Oea, província romana no norte da África. Partimos do pressuposto de há uma ameaça política por parte de Apuleio, que por ser um filósofo e ter recebido uma educação para exercer cargos públicos, tinha uma formação política que ameaçava membros da elite local de Oea, cidade onde ele era considerado um estrangeiro, que lhe acusam sob o pretexto de ser um feiticeiro. Há pouquíssimos estudos sobre tal processo e a problemática da obra Apologia, nenhum estudo no Brasil sobre esta obra especificamente. O que os historiadores admitem em geral é que Apuleio é acusado por ser um filósofo platônico e que suas práticas foram erroneamente confundidas com magia, como o próprio autor defende-se. O problema consiste em não haver, portanto, um estudo crítico do pensamento político cultural do autor, ou seja, de sua Paidéia e sua associação com as motivações do processo.
METODOLOGIA:
Trabalharemos especificamente com a análise da obra Apologia e utilizaremos as demais obras de Apuleio como fontes de apoio. Obedeceremos a um roteiro base para nossa pesquisa dentro dos modelos da análise discursiva, objetivando a crítica externa e interna do texto da obra Apologia. Analisaremos os aspectos externos como a tipologia da fonte, o lugar de origem e datação do texto, contexto histórico em que foi escrita e a inserção do autor em suas circunstâncias e meio cultural e público a quem a fonte se destina. Em um segundo momento, procuraremos fazer uma análise interna do documento, buscando reconhecer aspectos próprios do texto como a linguagem empregada e os recursos utilizados pelo autor para compreender como sua formação político-cultural está embutida no mesmo. Serão utilizados autores que trabalham com a análise experimental da Micro-História, tendo em vista que partimos de um autor do II século d.C. para uma compreensão de aspectos variados da sociedade e do contexto em que ele se insere. Ao trabalharmos com representações e como tais representações se caracterizam muitas vezes como maneiras de conter possíveis ameaças, nos reportaremos a obra de Roger Chartier. Compreendemos que os acusadores de Apuleio fazem parte de um grupo social com interesses próprios e ao verem seus interesses em perigo, representam as práticas de Apuleio como maléficas, chegando a ponto de representá-lo como um feiticeiro, algo proibido por lei no mundo romano.
RESULTADOS:
Até o presente momento da pesquisa fizemos uma discussão historiográfica acerca da problemática da acusação contra Apuleio. Assim, Grimal acredita que a forma que o platonismo tomou, com suas especulações sobre as ações de demônios serviu bem para justificar a magia. Se Apuleio serviu-se da magia ou não, para Grimal ele pagou pela mesma por ser adepto de tal filosofia. Assim também admite García ao colocar que o discurso que usou Apuleio reflete sua personalidade insaciável por saberes mágico-filosóficos. Boissier acredita que as penas colocadas contra Apuleio são fracas e fáceis de serem defendidas, indo ao encontro com seus estudos filosóficos. Flitz Graf faz uma análise antropológica do caso de Apuleio, usando como fundamento a teoria de Marcell Mauss, assim para ele, Apuleio não é um mago, mas a sociedade o trata como tal porque concebe nele uma imagem repulsiva, itinerante e não consegue distinguir magia e filosofia. Nós, ao contrário destes autores, detectamos a presença de elementos que dão pistas de motivos aparentemente políticos para esta acusação, como por exemplo, a camada social que pertenciam os acusadores: elite dirigente da cidade de Oea e propostas políticas nas obras de Apuleio, com, por exemplo, os serviços que um homem da elite deveria prestar para seus concidadãos, o que daria indícios de ser um homem preparado para assumir ações administrativas que podiam ameaçar os que ocupavam cargos públicos, ou seja, a elite que o acusa.
CONCLUSÕES:
Há teses defendidas na historiografia de que quando há um choque de poderes dentro de uma sociedade, de um lado um poder já definido e articulado, de outro novas formas de influência, distúrbios da vida social, vantagens de certos grupos, pessoas com habilidades que não são aceitáveis pelos detentores do poder já articulado, pode aparecer a feitiçaria e suas acusações. São sistemas onde as competições não podem ser resolvidas por meios normais, havendo uma confrontação de poderes. Mas também devemos considerar o contexto social da acusação. Neste sentido, ao analisarmos as leis que punem praticantes de magia em Roma temos a pena de morte por fustigação ou degredo, conforme a Lei Cornelia de Sicariis et veneficiis, estabelecida por Sila em 81 a.C. e ainda usada durante o II século. Neste sentido, acreditamos que por ser a pena de um crime de magia grave a ponto de levar Apuleio a ir embora da cidade onde representava uma ameaça política, seus acusadores o acusam como feiticeiro, sendo esta também uma acusação difícil de ser refutada por ele, uma vez que era um filosofo platônico e que o platonismo neste período estava tomando formas de estudos místicos que podiam facilmente serem confundidos com magia. Porém, o motivo real da acusação é a ameaça política em termos de representações que fazem de Apuleio como um homem inteligente e apto para ocupar cargos públicos e as propostas políticas que apresentava em suas obras.
Instituição de fomento: CAPES
Palavras-chave:  História de Roma; Apuleio de Madaura; Magia.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005