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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 3. Antropologia das Populações Afro-Brasileiras
MEMÓRIA ALIMENTAR DE AFRO-DESCENDENTES NA CIDADE DE CURITIBA
Ivan Domingos Carvalho Santos 1 (ivandomcarv@terra.com.br)
(1. Depto. de Nutrição, Setor de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Paraná - UFPR)
INTRODUÇÃO:
Este trabalho é parte de Tese a ser defendida, na qual trata da Memória Alimentar de descendentes de três etnias (negros, italianos e polacos) que integram a população Curitibana. Para a Reunião, escolheu-se apresentar a análise da memória alimentar do grupo negro. A temática do trabalho deu-se no sentido, de proporcionar um olhar antropológico ao estudo da Nutrição. E, para isso, procurou-se resgatar a memória alimentar de indivíduos idosos, baseado nos autores Halbwachs, Pollak e Proust. O objetivo é de que, as lembranças alimentares não só forneçam amostras do que esses indivíduos comem, ou que comeram, como também nos mostrem suas relações com o passado e presente. Pois, como determina Molin: “Comemos as lembranças que nos garantem mais seguranças, condimentadas com ternura e ritos, ou seja, as que marcam nossa pequena infância”. Com esta visão, a proposta é de que não nos prendamos no simples conceito de que a nutrição é o conjunto de fenômenos biológicos que contribuem para a alimentação. Na verdade, pretende-se que a Disciplina da Nutrição seja entendida aqui, como o estudo da relação homem-alimento. Pois, uma coisa é certa, a comida que está embutida na memória é um elemento da cultura, pois quem seleciona o que é ou não alimento é a cultura de um grupo, que costuma lembrar, reconstruindo constantemente, seus gostos, seus costumes e seus prazeres. E, dessa forma, consegue discernir o que é certo e o que é errado, definindo o que é comida.
METODOLOGIA:
O universo de pesquisa é a cidade de Curitiba. Centralizou-se em indivíduos afro-descendentes, por sua invisibilidade ao olhar curitibano. Utilizaram-se técnicas qualitativas, sem a preocupação de mensurar fenômenos que vieram a ocorrer e, sim, compreendê-los no contexto em que ocorreram. Pesquisa formulada a fornecer uma visão de dentro do grupo pesquisado, ou seja, por visão êmica. Vivenciou-se a história oral dos entrevistados, fazendo um corte de idade em sessenta anos, dando preferência aos mais velhos. Empregaram-se entrevistas com conversas informais, com total liberdade ao entrevistado - “técnica da liberdade”. Com o andamento das observações, foram formuladas perguntas para alguns itens significativos nas falas. A amostragem foi feita pelo “ponto de saturação”, no qual, os dados começam a se repetir. Utilizaram-se o gravador e bloco de anotações para registrar os relatos, como também máquina fotográfica para a obtenção de imagens. Assim, feita uma etnografia no campo de trabalho. Ainda, foi observado material icnográfico presente nos locais visitado. Acrescemos a ficha de informante e o caderno de campo, onde foram feitas anotações importantes às análises dos ambientes (internos e externos); do comportamento das pessoas (postura corporal, toques, condutas - implícitas e explícitas), suas linguagens (verbal, não verbal e tom de voz), seus relacionamentos, entre outros.
RESULTADOS:
Curitiba possui heterogeneidade étnica e grande diversificação alimentar. Construindo uma população de apurado paladar. Mesmo sem ter um prato típico famoso, ela apresenta peculiaridades: possui bairros gastronômicos; feiras-livres de comidas típicas; restaurantes que, mesmo simples, apresentam qualidade. A cidade se forma através de um regime escravocrata, onde a população negra foi fundamental ao processo. Porém, o branqueamento, que imperou no início do século XX, somada a imigração, em sua maioria eslava, fez com que o escravo agora liberto procurasse outras regiões mais favoráveis ao convívio. Aos que permaneceram, ou aos que para cá vieram, sobrou um processo de invisibilidade. É costume dizer, que Curitiba não tem negros. Mas, o convívio com essa população mostra outra realidade. As famílias negras moram em bairros simples e afastados. E, em sua maioria, comandadas por mulheres determinadas em manter os laços familiares, dividindo-se entre o trabalho caseiro e o de fora de casa. Diferente dos demais grupos, cederam as entrevistas na sala de estar. Em suas falas ou em seus gestos, a preocupação com a fome. Suas memórias alimentares são lembranças de narrações feitas pelos mais velhos. O que traz nostalgia em lembrar de histórias contadas à beira do fogão. Histórias de vida, de mitos e lendas. Sendo assim, reclamam que a modernidade não permite que as famílias se reúnam às refeições. Fato verdadeiro, pois hoje, mais de 41 milhões de brasileiros alimentam-se fora de casa.
CONCLUSÕES:
Com o grupo afro-descendente, extraíram-se as seguintes conclusões: Parte da comida era gerada pelos próprios comensais. Para muitos, era fonte de subsistência. Pois plantavam e também criavam pequenos animais, podendo ser para venda ou troca. Coisa que ocorria com o milho produzido e a farinha obtida. Basicamente, comia-se feijão, arroz, polenta, pão de milho, folhagens (couve, alface, entre outras) carne de porco e algum frango. As carnes eram essas, pois, o porco podia ser conservado em latas de gordura e o frango ser abatido na hora de prepará-lo. As cozinhas eram de chão batido, os fogões improvisados na taipa e as panelas de ferro presas ao teto por correntes. Observou-se também, que o negro curitibano, ainda vive em processo de exclusão, mas em franco trabalho de afirmação. A preocupação com a fome é presente, o que é comum presenciar senhoras negras fazendo trabalhos voluntários contra a fome. O indivíduo negro, pelo menos o idoso, é tradicional ao se alimentar. Criticam a modernidade alimentar, relacionando esse procedimento às doenças. Portanto, preferem manter a tradição e colocam alguns gêneros alimentícios, como o coentro, por exemplo, responsáveis pela saúde. Finalizando, é um grupo que valoriza a reunião familiar nas refeições, pois colocam isso, como forma de orientação através das narrações dos mais velhos.
Instituição de fomento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
Palavras-chave:  memória; alimento; afro-descendente.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005