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G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
"QUE NOSSO SENHOR DE TODOS COMPADEÇA, SUSPENDENDO ESTE CASTIGO": A EPIDEMIA DE MALÁRIA NO BAIXO JAGUARIBE (1937-1939)
Gláubia Cristiane Arruda Silva 1 (glaubiacristiane@yahoo.com.br)
(1. Mestrado em História Social, Universidade Federal do Ceará - UFC)
INTRODUÇÃO:
As epidemias, para além de acontecimento simplesmente mórbido, refletem, também, experiências sócio-culturais. A incidência da epidemia de malária, ocorrida na região do Baixo Jaguaribe-Ce, nos anos de 1937 a 1939, ocasionou mudanças bruscas no cotidiano da população jaguaribana. Tais interferências originaram uma crise na economia local, uma vez que o tempo do trabalho ficou submetido aos intervalos em que os acessos da doença não se manifestavam e, como conseqüência muitas safras ficaram perdidas nos cercados, pois, com todos os membros da família doentes não havia quem trabalhasse no campo. A presença da malaria também ocasionou mudanças nos rituais fúnebres. O fato é que, mesmo já tendo vivenciado outros surtos epidêmicos ao longo do século XIX, a região jaguaribana continuou herdeira dos velhos problemas relacionados à saúde pública. Carente de equipamentos e de serviços de saúde pública. Os narradores atribuem diversas explicações para o processo de erradicação da doença. Alguns conferem seu restabelecimento ao consumo de remédios indicados pelos médicos, outros, atribuem suas curas aos chás caseiros. Há ainda os que dizem ter sarado a malária pelo fato de não obedecerem às dietas e se alimentarem de alimentos “proibidos” para os que sofriam da doença. Portanto, ao optar por estudar a epidemia de malária no Baixo Jaguaribe, de 1937 a 1939, acabamos por tecer uma teia que envolve tanto os sentimentos como as experiências vivenciadas pelas pessoas atingidas pela doença.
METODOLOGIA:
Ao buscar compreender a epidemia de malária como um elemento de desorganização social, que alterou as relações cotidianas da população, durante a presença da doença no Baixo Jaguaribe, utilizo-me tanto da oralidade como também de fontes hemerográficas produzidas entre 1937 e 1939. Ou seja, pesquiso nos livros de óbitos, especificamente, das cidades de Morada Nova e Russas e analiso também os relatos de padres que registraram seus depoimentos nos livros de Tombos das cidades de União e Riacho do Sangue. Para além das fontes citadas anteriormente, faço uso também dos registros publicados pelo jornal O Povo, nos anos de 1937 a 1939, nos quais foram divulgadas reportagens denunciando o descaso das autoridades estaduais, que minimizavam a gravidade com que se manifestava a malária pelos sertões do Baixo Jaguaribe. A oralidade, enquanto fonte de pesquisa histórica, me permite compor uma multiplicidade de interpretações acerca da epidemia de malária, bem como conhecer as histórias de vidas das pessoas que foram diretamente atingidas pela doença. Ao realizar as entrevistas, em várias cidades da região, vi surgir gestos e emoções, traduzidas muitas vezes em lágrimas, que me fizeram perceber, ainda mais, o quanto à epidemia de malária deixou marcas profundas de sofrimento na memória de todos que a experenciaram.
RESULTADOS:
Vivenciar o surto de malaria interferiu sobremaneira na rotina diária e no psiquico dos habitantes do Baixo Jaguaribe. Ao estudarmos os livros de óbitos, podemos perceber como a incidência da doença fez da morte uma ameaça diária e constante. Haja vista, o elevado número enterros que aconteciam durante um dia. O índice de pessoas vitimadas pela doença foi tamanho que acarretou mudanças nos ritos fúnebres: as pessoas não acompanhavam os enterros, evitavam freqüentarem as sentinelas, os sinos das igrejas não badalavam mais anunciando os enterros e, para além destas, os padres da região não conseguiam dar extrema-unção aos moribundos. É importante ressaltar que, segundo a crença da igreja católica, a realização dos ritos fúnebres é fundamental para garantir a ida e a permanência do falecido em um bom lugar no Além. Para além dos ritos fúnebres, a população jaguaribana também teve de lidar com as mudanças nos seus horários de trabalho, uma vez que os acessos da doença os impediam de seguir suas rotinas de trabalho, tal fato acarretou também uma crise na economia da região. O estudo sobre a malária nos permitirá, ainda, perceber as tensões e os choques culturais manifestados no conflito entre o discurso da medicina científica e os métodos encontrados pelos camponeses para sanarem a doença. Pois, não obstante alguns narradores atribuírem suas curas aos remédios distribuídos pelo governo do Estado, outros encontraram a salvação na própria natureza.
CONCLUSÕES:
A pesquisa, portanto, busca compreender a epidemia de malária ocorrida no Baixo Jaguaribe, nos anos de 1937 a 1939, como um elemento de desorganização social que alterou as relações cotidianas durante a vigência da doença na região. Ao analisarmos as experiências vivenciadas durante essa epidemia poderemos interpretar o que significou, para a população jaguaribana da época, sofrer e sobreviver a este momento de extrema dificuldade. A região do Baixo Jaguaribe é marcada pela forte influência que a igreja católica exerce na vida de seus habitantes. Dessa forma, a pesquisa nos possibilitará analisar o papel desempenhado pelos padres da região, no sentido de promoverem a assistência espiritual à população, vitimada pela doença, através, por exemplo, da extrema-unção e da realização dos ritos fúnebres. A maioria dessa população jaguaribana sempre sofreu com a ausência de saneamento básico, bem como de um serviço de atendimento médico para atender as necessidades dos mais carentes. A incidência da epidemia de malária tornou essa deficiência ainda mais visível. Tendo como base a pesquisa documental, em boa parte já realizada, objetivamos compreender como as pessoas, de um modo geral, utilizaram-se das mais variadas estratégias para sobrepujarem essa lacuna e curarem a doença de seus corpos.
Palavras-chave:  Epidemia de Malária; História do Cotidiano; Baixo Jaguaribe.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005