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G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura | ||
VOZES QUE ECOAM DA CIDADE, PALAVRAS QUE CONTAM OS NEGROS DO RIACHO | ||
Joelma Tito da Silva 1 (joelmatito@yahoo.com.br) | ||
(1. Depto. de História e Geografia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte -UFRN) | ||
INTRODUÇÃO:
Campo de disputa, lugar onde vários olhares cruzam-se criando versões e marcando corpos, assim historicamente é construída a comunidade dos negros do Riacho, localizada na zona rural do município de Currais Novos, interior do Rio Grande do Norte. O grupo originou-se no final do século XIX, quando o ex-escravo Trajano Lopes da Silva e parentes próximos teriam se apossado das terras do Riacho, tecendo experiências matrimoniais que deixaram descendentes e deram substância a manutenção daquele espaço em torno da comunidade. No Seridó potiguar, escrito tradicionalmente como branco e caboclo, a formação de uma comunidade rural, remanescente de escravos africanos, com suas regras e lógicas próprias concorre para a elaboração histórica do diferente, aquele que vive de forma desigual, destoando padrões. Nessa perspectiva a pesquisa, recortada temporalmente entre os anos de 1990 a 2004 objetiva analisar os discursos que elaboram a comunidade interna e externamente, identificando estratégias de padronização cultural, partindo de discursos da Igreja, do poder público, das vozes que ecoam do tecido citadino, identificando nas experiências diárias vivenciadas no Riacho formas táticas de burlar o discurso homogeneizante. |
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METODOLOGIA:
No trabalho direto com as fontes o nosso olhar sobre a comunidade dos Negros do Riacho se fez partir da utilização da entrevista oral, que possibilitou emergir das veias históricas imagens presentes na memória, silêncios e vozes que dizem muito sobre as experiências singulares inseridas no cotidiano da comunidade. São “ditos” que emanam de variados pontos da cidade de Currais Novos e do Riacho dos Negros. O grupo é visibilizado interna e externamente em um jogo multiforme de versões presentes na memória oral, nas obras acadêmicas, em jornais, revistas e documentos oficiais. Fontes importantes para o estudo da comunidade enquanto lugar de disputa. Para interpretar situações, códigos e símbolos culturalmente delineados internamente efetivamos uma etnografia do espaço vivido. Teórico/metodologicamente desenvolvemos discussões acerca da memória, da oralidade e da arte narrativa presentes em Alessandro Portelli, Raphael Samuel, Alistair Thonsom et all, Walter Benjamim, Jacques Le Goff e Michel Pollak. Foram discutidos conceitos acerca da cultura e da prática etnográfica a partir de Cifford Geertz. Quanto às questões referentes ao cotidiano e à comunidade enquanto “corpo escrito” foram problematizadas, a partir das discussões de Michel de Certeau, possibilitando na conceituação das “estratégias” que visam criar uma massa homogênea, e as “táticas” utilizadas pêlos sujeitos ordinários para burlar regras a partir da suas experiências cotidianas. |
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RESULTADOS:
Nas tramas da história, os negros do Riacho formam corpos multifacetados por vários olhares, que partem dos habitantes da cidade de Currais Novos, dos discursos acadêmicos, do poder público e da Igreja. A comunidade torna-se um lugar de disputa no campo discursivo. Durante a pesquisa encontramos versões que os designam enquanto “ociosos”, “bêbados”, “festeiros’, acervo vivo do museu da escravidão local, “miseráveis”, “famintos”, moralmente diferenciados, “desorganizados”, “espertos”, “fechados”, “primitivos”. Tais considerações concorrem para a criação de um “outro” exótico, que distancia-se do “eu” normatizado, criando para si um lugar de marginalidade por não está inserido nas ações disseminadas enquanto conduta correta e por elaborar suas próprias verdades transgressoras. Ações de assistência social, moral e espiritual quando entram no Riacho dos negros têm que se deparar com as necessidades que singularizam a comunidade e dialogar com as regras do jogo interno. Os negros do Riacho são corpos que fogem, que burlam, que silenciosamente subvertem a ordem nas suas práticas cotidianas em atos, aproveitando ocasiões para dar golpes de astúcia, na arte de pedir, de crer, de festejar, de convencer, de vender, de fabricar os utensílios de cerâmica. |
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CONCLUSÕES:
Percorrer o espaço constante e repleto de sobressaltos que constitui a pesquisa significa deparar-se com as questões aparentemente triviais que tornam-se discursos sobre algo, delimitando e conferindo significados, marcando corpos, construindo a realidade. Tais versões disseminadas em cada ato e detalhe, quase escondidos na sombra de uma palavra superficialmente analisada como despretensiosa, delimita lugares imagéticos. Nessa perspectiva, ao negros do Riacho dizem-se e são ditos internamente e externamente em várias teias discursivas, burlado no seu cotidiano tentativas de padronização, reafirmando as suas singularidades, pelo olhar, pelo morar, pelo viver, pelo fazer de homens ordinários, marginais. Caminhando, burlando normas, desviando padrões, aproveitando momentos, jogando com as cartas oferecidas pelo “próprio” assim seguem os negros do Riacho. |
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Instituição de fomento: Universidade Federal do Rio Grande do Norte | ||
Trabalho de Iniciação Científica | ||
Palavras-chave: Negros do Riacho; astúcias; estratégias. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |