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E. Ciências Agrárias - 3. Recursos Florestais e Engenharia Florestal - 4. Conservação da Natureza
SOBRE A NECESSIDADE DE (RE)PRODUZIR E CONSERVAR: AGRICULTURA, AMBIENTE E SOCIEDADE NA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL AMANÃ, AMAZONAS.
Kayo Julio Cesar Pereira 1 (kayo@esalq.usp.br), Elizabeth Ann Veasey 2, Raimundo Silva dos Reis 3, Bianca Ferreira Lima 4, Amintas Lopes da Silva Junior 5 e Janaína de Aguiar 6
(1. Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ecologia de Agroecossistemas, USP; 2. Dep. Genética, Esalq-USP; 3. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá; 4. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá; 5. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá; 6. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá)
INTRODUÇÃO:
A Amazônia Central abriga a maior parte da cobertura florestal preservada existente no país. Nestas áreas estão presentes diversos ecossistemas, e convivem junto com a floresta milhões de pessoas, que dependem dos recursos naturais para se reproduzir biológica e socialmente. A RDS Amanã (RDSA), situada no estado do Amazonas, no interflúvio dos rios Negro e Japurá, é uma das maiores unidades de conservação do mundo, ocupando uma área de mais de dois milhões de ha. Nela residem populações tradicionais não indígenas tipicamente ribeirinhas, totalizando aproximadamente 2000 pessoas, que tem na agricultura uma das principais atividades produtivas. Dada estas especificidades, a prática da agricultura na região implica em profundas interfaces entre os diversos sistemas de conhecimento, o meio ambiente e fatores sócio-econômicos e culturais. Tendo em vista o crescente interesse pela questão ambiental, materializado pelo Estado na criação de diversas unidades de conservação espalhadas por toda região, e a necessidade de se estabelecer políticas de ocupação e manejo que garantam a permanência das populações na área e a gestão participativa dos recursos, é fundamental a compreensão destas interfaces, e a decodificação dos saberes tradicionais associados ao manejo. Dentro desse contexto, o presente trabalho tem por objetivo caracterizar, dentro dos princípios da análise de agroecossistemas e da Etnoecologia, a organização da produção agrícola familiar da RDSA.
METODOLOGIA:
O trabalho foi realizado em quatro comunidades da RDSA (02º42’26’’S; 64º45’02’’W), sendo duas de terra firme, Boa Esperança (BE) e Boa Vista do Calafate (CA), e duas de várzea, Nova Olinda (NO) e São Paulo do Coraci (SP). Participaram da pesquisa 45 famílias, o que significa um universo amostral de 67%. O instrumental metodológico consistiu da entrevista semi-estruturada, observação participante, história de vida e história oral, além de técnicas de diagnóstico coletivo, baseadas nos princípios do diagnóstico rural participativo. Para coleta de dados agronômicos foram também realizadas visitas às unidades de produção.
RESULTADOS:
Nas comunidades de terra firme, a agricultura é a principal atividade econômica (com a mandioca sendo a principal espécie cultivada na região), e a pesca é realizada apenas para fornecimento de proteína animal. Já nas comunidades de várzea, dados os riscos impostos pelo ambiente à atividade agrícola, ocorre o contrário, com a pesca assumindo maior importância na geração de renda. A agricultura praticada na reserva é tipicamente itinerante, com preparo do solo tipo derruba e queima, seguido de pousio, em escala muito pequena, causando poucos impactos na cobertura florestal. Foram detectados seis tipos principais de sistemas de produção: o roçado; roçado de barranco; os sítios e os quintais; cultivos de praia e os bananais. A diversidade de espécies cultivadas é alta, tendo sido identificadas mais de 130 espécies. A organização do trabalho varia de acordo com a comunidade. A família é célula organizadora da produção e as relações de parentesco governam a vida e as relações de trabalho. O trabalho pode ser organizado de forma individual (trabalho realizado apenas por membros da família) ou coletiva (ajuda mútua). A farinha é o produto mais produzido e comercializado, garantindo a renda e a subsistência das famílias. A produção excedente é comercializada com regatões, e principalmente em Tefé (a cidade mais próxima), junto a atravessadores e na feira livre. O transporte é feito em pequenos barcos e em canoas dotadas de motores de baixa potência (rabetas).
CONCLUSÕES:
Os resultados deste trabalham realçam o papel estratégico da agricultura para a reprodução social das famílias, bem como para a conservação dos ecossistemas locais, uma vez que os sistemas de produção agrícola, que vêm sendo manejados na região há séculos, além de garantir a subsistência das populações, causam impacto muito reduzido na cobertura florestal e abrigam alta biodiversidade. A agricultura praticada na RDSA ainda é bastante tradicional, uma vez que o aporte de insumos externos é mínimo, e as decisões são tomadas levando em consideração elementos existentes no próprio sistema, elaborados a partir de saberes resultantes da interação entre os agricultores e o meio, e que são transmitidos oralmente ao longo das gerações. Entretanto, este conhecimento não é estático, e analogamente às relações sociais e aos modos de vida, vai se alterando a medida em que as influências externas vão aumentando, e atingindo a vida dos ribeirinhos. Isto tem sido verificado em mudanças nas relações de trabalho (que tende cada vez mais a individualização), práticas de manejo (redução da agrobiodiversidade e dos períodos de pousio) e relações com o mercado (que tendem a se intensificar, com a produção tendendo a ser mais especializada). Estas transformações carecem ser mais bem discutidas e servir como motivação para a reflexão coletiva entre agricultores, gestores e técnicos, visando a elaboração de políticas públicas mais adequadas, e propostas participativas de manejo.
Instituição de fomento: FAPESP E IDSM/OS-MCT
Palavras-chave:  Agroecossistemas; Amazônia; Reserva Amanã.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005