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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 2. Literatura Comparada
SÃO CRISTÓVÃO E O MITO DE PÃ EM EÇA DE QUEIROZ
Aldinida de Medeiros Souza 1 (aldinida@yahoo.com.br)
(1. Centro de Educação Integrada - CEI)
INTRODUÇÃO:
O autor português Eça de Queiroz obteve consagração literária pelo forte tom de crítica social presente no conjunto de sua obra, contextualizado pela estética do Realismo literário. A nossa pesquisa, entretanto, não discorre sobre um texto queiroziano de essência puramente realista, como O primo Basílio, O crime do Padre Amaro, A relíquia. Esse trabalho enfoca o São Cristóvão, único texto finalizado, das três lendas hagiográficas, escritas por Eça de Queiroz. Publicado no volume Últimas páginas, o São Cristóvão é uma versão literária da vida desse santo católico, narrada de uma forma magistral, num enredo que se diferencia do estilo característico do autor, embora permaneça no texto, ainda, um tom crítico.
METODOLOGIA:
É justamente por isso que a análise literária desse texto, que aqui lançamos mão, recai sobre essas diferenças, apontando ao leitor que o São Cristóvão possui uma tônica narrativa singular, dentre os muitos textos queirozianos. Na fase em que escreveu essa obra, Eça de Queiroz, já com bastante experiência literária, afastou-se da crítica acentuadamente social e construiu um São Cristóvão que é um puro exemplo de amor à natureza: um panteísta, um ser cristão que personifica o deus pagão Pã. O protagonista Cristóvão, um gigante com força hercúlea, configura um ser híbrido, heterodoxo; é a própria metáfora do instinto humano, da força, e do amor à natureza. Pode-se bem dizer que, nessa novela, Cristóvão, considerado o santo dos motoristas pelos cristãos – por conduzir as pessoas em seus ombros de um lado ao outro de um rio - é uma espécie de figuração fantasmática de Pã, assusta inicialmente quem dele se aproxima, mas depois envolve aqueles que lhe descobrem a índole dócil e ingênua. Cristóvão é, na verdade, um ser que configura uma imagem de constante oposição entre a força da natureza - sobretudo o instinto humano - e a civilização, entre o paganismo e o cristianismo.
RESULTADOS:
O resultado é que o leitor acaba por constatar que a leitura queiroziana do São Cristóvão resulta num texto que, embora tenha como protagonista um santo católico, traz o mito de Pã ou, mais precisamente, a “figura fantasmática” de Pã - perpassando todo o texto, desconstruindo a imagem puramente cristã de Cristóvão. Eça deixa-nos entrever, ainda, sua posição em relação à Igreja, à classe abastada da sociedade, ou seja, os valores que estiveram fortemente presentes em seus textos nomeadamente realistas ainda ecoam em São Cristóvão. O texto literário que resulta dessa escritura rica e amadurecida bem poderia ser intitulado "Uma fábula sobre a estupidez humana". Afinal, na leitura queiroziana do Cristóvão, Eça faz com que nos deparemos o tempo inteiro com demonstrações de egoísmo, insensibilidade e perversidade humanas; tudo isso lançado contra o protagonista, que suporta, sem entender, a maldade alheia, não obstante a sua vontade premente de ajudar a todos que conhece ou com quem cruza; e, ainda, sua ingenuidade e bondade constantes para com todos os seus semelhantes
CONCLUSÕES:
Disso podemos concluir que, os valores literários os quais estiveram fortemente presentes nos romances e contos de Eça, nomeadamente de valores realistas, ainda ecoam no São Cristóvão, mas agora de forma diferente. Sobretudo porque, sendo esta a única das três lendas hagiográficas concluída, ao seu valor de obra peculiar acrescem-se os diálogos intertextuais com vários outros textos queirozianos, nos quais a compaixão de um ser humano por seus semelhantes é o que merece destaque no enredo, dentre os quais destacamos os contos Frei Genebre e Suave milagre. Isto nos permite pensar que os contos foram o caminho preparatório que culminaria nas lendas hagiográficas. Para além destes, algumas passagens da Correspondência de Fradique Mendes também estabelecem um importante diálogo com a narrativa do “Pã-Crsitóvão” de Eça de Queiroz.
Palavras-chave:  Mito de Pã; São Cristóvão; Lendas hagiográficas de Eça de Queiroz.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005