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G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana | ||
ICONOGRAFIA E ANÁLISE DO TRABALHO INFORMAL E DA EXCLUSÃO SOCIAL NA ECONOMIA DO LAZER DO CARNAVAL DE SALVADOR, BAHIA, 2005 | ||
Marília Flores Seixas de Oliveira 1, 2 (marilia@uesb.br), Orlando José Ribeiro de Oliveira 2 e Roberto dos Santos Bartholo Jr. 1, 3 | ||
(1. Centro de Desenvolvimento Sustentável - CDS, Universidade de Brasília - UnB; 2. Departamento de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB; 3. COPPE - UFRJ) | ||
INTRODUÇÃO:
O desemprego e o grande contingente de pessoas sobrevivendo à margem de estruturas sociais e políticas são problemas contemporâneos, agravados em países periféricos como o Brasil, que nunca chegou a atingir patamares mínimos de eqüidade e justiça social, conseqüência da desigualdade histórica. Atualmente, imposições do modelo financeiro internacional, suas implicações econômicas e político-administrativas, desemprego estrutural e o rápido aumento da pobreza e das desigualdades tornaram mais visível a situação de exclusão e miséria de brasileiros. Por outro lado, a valorização do lazer e da indústria cultural aponta para as festas populares como oportunidades de produção de riqueza, sendo o carnaval ícone do modelo da economia do lazer. A busca de inclusão conduz ao trabalho informal para sobrevivência. Questiona-se, na pesquisa, as formas como trabalhadores informais se inserem no cenário carnavalesco de Salvador, onde a informalidade sempre desempenhou papel conjuntural importante na economia, com o objetivo de analisar condições de trabalho e permanência de ambulantes que dormem e trabalham em tendas e barricadas de isopor nas ruas da cidade durante o Carnaval, a partir de fotografias digitais do seu cotidiano. Famílias da periferia e do interior acorrem buscando os recursos do carnaval-negócio e as imagens desta realidade depõem e sintetizam a exclusão que submete trabalhadores informais da Bahia, desde o passado colonial à atualidade, remetendo a Debret e Rugendas. |
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METODOLOGIA:
Foram estabelecidos os seguintes procedimentos metodológicos para a pesquisa: registros fotográficos produzidos a partir de um ponto de observação predeterminado durante os dias e as noites do Carnaval 2005 e posterior análise deste material iconográfico sob a ótica da sociologia urbana, de estudos sobre exclusão social, trabalho informal e modernidade, dialogando também com a perspectiva do desenvolvimento sustentável. Dado à exigüidade de tempo e de recursos humanos, optou-se pelo uso de recursos da Antropologia Visual em detrimento de outros instrumentos de pesquisa, abdicando-se p.ex. do recurso à entrevistas ou gravações, restringindo-se os contatos com os ambulantes apenas a prévios esclarecimentos acerca dos objetivos das fotografias e a coleta de dados básicos sobre suas origens. Definiu-se um ponto fixo de observação (sacada e janela de apartamento de 2º andar), um grupo de ambulantes (abrigados numa rua transversal ao Farol da Barra) a ser observado durante o período e como equipamento uma câmera digital (Sony, definição 4,1 megapixels e zoom ótico de 3x). Assim, em fevereiro de 2005, do apartamento 201 do nº 69 da Rua Leone Ramos, a iconografia de análise da pesquisa foi produzida sobre vendedores ambulantes não licenciados que permaneceram acampados, dormindo e trabalhando, enfrentando dificuldades e adversidades, vindos da periferia e do interior, vivendo e convivendo no espaço público urbano em comunidades efêmeras. |
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RESULTADOS:
A análise da iconografia produzida possibilitou a reflexão crítica sobre exclusão social, trabalho informal e situações de risco e vulnerabilidade de grupos sociais, na maioria afrodescendentes, servindo também de base etnográfica para a compreensão de ethos de convivência e confronto de grupos socialmente diferenciados, na medida em que revelou interações e conflitos entre moradores fixos da rua (abancados em seus apartamentos e janelas) e os temporários moradores de rua, que ocuparam entradas de prédios e garagens, calçadas, passeios e via pública, em suas atividades de trabalho e sobrevivência. A intolerância e o preconceito dos moradores (classe média alta) da Barra possibilitaram também questionamentos sobre as novas feições do carnaval, contaminado pelo princípio do lucro e pela lógica do mercado, característicos da sociabilidade globalizada contemporânea. Ao invés da fértil inventividade brotada do amálgama e da mistura, da surpresa causada pelas inversões irreverentes nascidas das rupturas das divisões de classe, do estranhamento causado pela abolição temporária das hierarquias e separações sociais, da fruição pura e simples do riso e da diversão libertos das barreiras cotidianas ou da catarse carnavalesca que reorganizava o sentido de pertencimento e de comunidade, o carnaval de Salvador apresenta-se com facetas ordenadas e hierarquizantes da sociedade moderna contemporânea, altamente excludente, elitista, consumista e orientada pelos interesses e padrões de mercado. |
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CONCLUSÕES:
No carnaval de Salvador (festa de forte cunho comercial), dimensões culturais e simbólicas misturam-se às materiais e econômicas, movimentando a economia formal e também micro-negócios e trabalho informal. Autores como Antonio Risério indicam que a festa passa a ser, na cidade da Bahia, o único meio de sobrevivência de muita gente (enquanto há festa há trabalho). Entretanto, as diferenças sociais crescentes que existem na sociedade contemporânea permanecem nítidas e contundentes durante a festa carnavalesca. O carnaval da Bahia por um lado tornou-se, no século XX, a própria invenção do diabo que Deus abençoou (como disse Caetano Veloso nos anos 1970), e por outro foi contaminado pelo princípio do lucro e lógica do mercado, transformado, irrevogavelmente, pelos moinhos satânicos descritos por Polanyi, trilhando o caminho inverso de sua característica histórica de momento de ruptura e inversão da estrutura hierárquica da sociedade. Nos confrontos entre ambulantes e moradores, evidenciaram-se diferenças sociais e políticas entre os grupos, o abandono de alguns frente à proteção (legal, jurídica, policial) de outros, o desamparo em que se encontram trabalhadores informais, a insegurança do investimento de capital feito por eles, a humilhação a que estão expostos, enfim, a triste realidade da existência (paradoxal) de dois tipos de cidadania a interferir, concretamente, nos resultados que podem (ou não) serem obtidos por uns e por outros cidadãos brasileiros na busca de recursos. |
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Instituição de fomento: Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia | ||
Palavras-chave: Exclusão Social e Ambiente Urbano; Trabalho Informal e Festas Populares; Economia do Lazer. | ||
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005 |