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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 10. Filosofia do Direito
DO "SER" AO "DEVER SER": UM ABISMO ONTOLÓGICO NO JUSPOSITIVISMO
Antonio Sergio Escrivão Filho 1 (tuco_sc@yahoo.com.br)
(1. Depto. de Direito Público, Universidade Estadual Paulista - UNESP)
INTRODUÇÃO:
No campo científico, as ciências exatas solidificaram-se no conhecimento da natureza, anunciando que a lógica seria o caminho através do qual deve percorrer o conhecimento a fim de atingir o total desvelamento das leis naturais. Nessa linha, a lógica contagiou também as ciências da sociedade, e consolidou-se junto ao modelo de conhecimento positivista, culminando, na esfera do direito, na reivindicação do positivismo jurídico como a própria Teoria do Direito em-si. Por outro lado, observa-se, no cenário jurídico brasileiro, que outras interpretações acerca da Teoria do Direito tem sido produzidas no sentido da crítica à rigidez lógico-formal do juspositivismo, em especial no tangente à questão do conteúdo da produção normativa: a legitimidade material do direito. É diante dessa problemática que proposições teóricas estão sendo produzidas, sendo este o sentido do presente trabalho. Assim, no sentido de contribuir com o estudo da Teoria do Direito, propõe-se aqui uma análise da teoria juspositivista, em especial o normativismo kelseneano, no tangente à questão da legitimidade material do direito, entendida, nesta pesquisa, como conteúdo; a ligação, identidade, adequação e organização do direito junto à realidade social que ele vem ordenar. Diante disso, a verificação conclusiva surge dos questionamentos ontológicos acerca do direito; do abismo, cavado pelo juspositivismo, entre o direito e a realidade social que ele vem ordenar.
METODOLOGIA:
Para levar a cabo o presente trabalho realizou-se um estudo acerca da teoria do direito no tangente às questões referentes à legitimidade material do direito, observando as proposições juspositivistas em uma relação de contraposição aos avanços obtidos na produção crítico-teórica brasileira acerca da ciência do direito. Para tanto, procedeu-se a análise das categorias lógicas do "ser" e "dever-ser", formuladas por Hans Kelsen, e sua relação com o hierárquico sistema lógico-normativo por ele idealizado, buscando observar como a questão da legitimidade material do direito aparece nessa formulação teórica. A título de contraposição crítica, por outro lado, se buscou as proposições advindas da teoria-prática da corrente de juristas que partilham de uma concepção crítica do direito, no sentido do intitulado Direito Alternativo, apoiando-se, metodologicamente, nas proposições do materialismo-histórico, em especial as observações em relação aos princípios ontológicos fundamentais de Karl Marx, por meio da análise de Gyorgy Lukács. Fomentado pela práxis transformadora, a construção do presente trabalho realizou-se, também, pela participação como membro do NEDA (Núcleo de Estudos de Direito Alternativo - Unesp/Franca), tomando contato quotidiano com uma concepção crítica de direito, aliado à condição de extensionista no NATRA (Núcleo Agrário Terra e Raiz), atuando junto aos "movimentos sociais de luta pela terra" na região nordeste do Estado de São Paulo.
RESULTADOS:
Verificou-se que o normativismo jurídico de Hans Kelsen, considerado um clássico do juspositivismo, foi construído sobre uma concepção idealista da sociedade. Desta visão, por seu turno, extraiu-se que se fundamenta num sistema lógico-hierárquiico - representado pelo escalonamento de normas, na esfera jurídica - concebido por Hegel como o sistema próprio do conhecimento e da realidade. Diante disso, tal sistema propõe-se, num primeiro momento, a conhecer a realidade social, para vir ordená-la juridicamente na forma dos códigos, que engessam o direito no tempo. Contrapondo-se a tal proposição, a leitura de Lukács trouxe a concepção ontológica ao estudo, proporcionando verificar que é o movimento dialético o caminho pelo qual percorrem o conhecimento e a realidade em sua trajetória; é na práxis que se conhece o mundo, na vivência se conhece cada manifestação sua, que toca enquanto realidade, conhece-se enquanto totalidade, e se tem a certeza de que, concretamente, o objeto em questão partiu do real. Por fim, o trabalho de extensão permitiu verificar como o juspositivismo trata da questão agrária e seus sujeitos. Verificou-se que aquele engessamento normativo não admite sequer a concepção de um sujeito coletivo com as características dos movimentos populares de luta pela terra, evidenciando o distanciamento do ordenamento jurídico em relação à base material da sociedade.
CONCLUSÕES:
A partir de uma análise dialética dos resultados; das várias relações, reflexões e conexões que ali se construiu, conclui-se que o sistema lógico, embasado no idealismo filosófico, formula sua compreensão da sociedade de modo equivocado, uma vez que identifica apenas no movimento da razão o caminho para a compreensão da realidade. Em termos jurídicos, tal caminho gera, cava, um abismo ontológico na relação entre o “ser” e o “dever ser”. Se a própria compreensão da sociedade se faz prejudicada pelo viés idealista, se ela própria já representa certa distorção em relação ao real, uma vez que não capta o movimento da realidade, na esfera do direito sua manifestação não poderia se fazer diferente. Assim, já a formulação idealista do direito não consegue captar a realidade social como ela é; ao codificar as relações sociais em ordenamentos normativos, o juspositivismo mutila o direito em seu movimento, o que gera consequências na forma como o direito vem sendo aplicado, ordenando o que na sociedade deve acontecer, mas ignorando o que está acontecendo, como bem anotou José Geraldo de Souza Júnior.
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  Direito; Legitimidade; Realidade Social.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005