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G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana
HISTÓRIA E MEMÓRIA: NARRATIVAS SOBRE O GRANDE BOM JARDIM
Marco Aurélio de Andrade Alves 1 (marco_aurelio_83@hotmail.com), Geovani Jacó de Freitas 1 e João Paulo Braga Cavalcante 1
(1. Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual do Ceará-UECE)
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa desenvolveu-se na região do Grande Bom Jardim, na cidade de Fortaleza, em conjunto com um grupo de jovens moradores do bairro. O pouco conhecimento da juventude sobre a história do bairro emergiu como um fator relevante nas discussões e estudos realizados por estes jovens. Partindo desta constatação, foi formulada a problematização e os contornos desta pesquisa que buscou sistematizar tal história, de modo que seu produto, uma vez apropriado por agentes sociais locais, pudesse ser instrumento auxiliar em ações de mobilização, de reflexão e de re-construção da auto-estima e do sentimento de pertença. Tal aspecto de formulação histórica tem resultado numa constante comparação entre os fenômenos e as representações sobre o bairro em períodos distintos. Atualmente o mesmo é estigmatizado como “lugar violento”, atributo este reforçado pela exploração e produção de significados socialmente construídos pela mídia. Tais representações revelam a segregação simbólica dos espaços da Cidade. Também está presente nesta análise, a compreensão dos aspectos constitutivos de novas afirmações que fortalecem laços e vínculos dos moradores com o local. A partir da relação entre memória e narrativas, a pesquisa revela como se dá a formação da identidade do bairro, um espaço constantemente re-elaborado de acordo com interesses externos às vontades de seus moradores e das vontades internas destes mesmos.
METODOLOGIA:
Considerando a memória como um recurso metodológico, a técnica de pesquisa através da história de vida fora aplicada aos informantes mais antigos. Para ouvir os narradores a aplicação de entrevistas em profundidade, realizada sob um processo crescente até o momento de sua saturação, facilitou a apreensão das suas principais representações. Os roteiros de entrevistas traziam questões abertas, de modo a orientar o fio condutor da história do entrevistado e sua relação com a história da coletividade. Aspectos da pesquisa-ação também foram apropriados no processo de produção da pesquisa e da socialização de seus resultados. Ao longo de sua realização, foram feitos estudos com o grupo juvenil Jovens Agindo por Um Grande e Bom Jardim, formado por representantes de várias entidades e movimentos locais, com o fim de capacitá-los em metodologias qualitativas de pesquisa social, ao mesmo tempo em que os inseria no processo de efetivação da pesquisa desenvolvida. Tentamos analisar alguns filmes com o intuito de construir análises comparativas com a perspectiva de relatos dos moradores mais antigos do GBJ. Aqui, nossa reflexão metodológica propõe entender as individualidades como recursos que facilitam a compreensão de uma dimensão sociológica da história oral, visto que aparecem com elas versões e perspectivas ausentes nas versões históricas oficiais (AMADO; FERREIRA: 1998).
RESULTADOS:
Apreendemos que o sentido passado da região do Grande Bom Jardim se apresenta nas memórias dos moradores e como esta se confronta com a memória oficial. Sob a perspectiva do saber nativo os lugares quando lembrados carregam diversas impressões emotivas dos sujeitos que nele tecem seus vínculos. Como nos revela THOMSON (1997) os fatos que relembramos não são reproduções exatas do passado, mas são remodelações que se ajustam aos nossos anseios e expectativas atuais. O lugar da "morada", e por isso mesmo, "lugar da familiaridade" e dos "contatos", permanece sob a apropriação do usuário que nele insere suas conveniências e constâncias rotineiras. Nesta esfera do bairro encontramos pessoas que ultrapassam a condição do anonimato. Ao transmitirem suas experiências cotidianas, os moradores em seus relatos revelam que os lugares e seus usuários estão sob vínculos constantes de proximidade, o que nos leva a crer na semelhança entre a história e as maneiras de se usar o espaço. Estas formas de uso foram e são modificadas pelos diferentes atores que participam da vida local através de regras e códigos próprios. As configurações públicas neste sentido diferem das reminiscências dos moradores. Esta contraposição de olhares aqui marca o conflito simbólico do estigma e do status (é o caso da mídia televisiva), entendendo que este mesmo olhar midiático sobrepõe fatos negativos sobre situações positivas de vivências, como as experiências dos grupos culturais do bairro.
CONCLUSÕES:
As individualidades reforçam a esfera do vivido quando o personagem é o seu "centro". O lugar se afirma através da memória e relaciona-se àqueles que viveram em seu entorno, passando a ganhar relevância simbólica nas constantes re-apropriações dos moradores. Quando percebemos, nos depoimentos, certas queixas no que se referem às "perdas" e aos "tempos que não voltam mais", estamos tratando diretamente de imagens e valores que significavam aspectos formadores de vida para aqueles que hoje "sentem sua falta". "Perder o tempo", aqui não é apenas passar por uma fase de coisas velhas que se renovam numa nova época, mas sim, de princípios, valores, maneiras de se viver que resistem, mesmo estando elas em constantes transformações para o presente. Neste espaço "transitam" e "habitam" pessoas que desenvolveram relações variadas no conjunto de suas histórias, e que, portanto, estabelecem vínculos de forte pertencimento ao seu espaço de vivência. Para cada uma delas veremos uma maneira de usar e de estabelecer fronteiras nos seus espaços. Na conquista de seu lugar, também são formadas "afinidades" e "repulsas" que orientam uma maneira de se auto-representar e de representar a outrem. Nesse sentido, surgem sempre as afirmações de "dentro", ou os olhares "estigmatizadores de fora". Neste âmbito, algo além do “estigma” se revela na identidade dos moradores do Grande Bom Jardim.
Instituição de fomento: PIBIC/CNPq
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave:  narrativas; memória; sentimento de pertença.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005