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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
TRAMAS E ENTRAVES DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: UM DESAFIO PARA A ANÁLISE INSTITUCIONAL
Anna Paula Uziel 1 (uzielap@alternex.com.br), Beatriz Bessa 1, Bernardo Suprani 1, Fernanda Pessoa de Barros 1, Isabel Lima 1, Luciana Silveira Andrade 1, Luciana de Magalhães 1, Mariana Soares Frossard 1 e Patrícia Cordeiro de Farias 1
(1. Instituto de Psicologia da Universidade do Estado Rio de Janeiro - UERJ)
INTRODUÇÃO:
A situação dos abrigos para crianças e adolescentes no Rio de Janeiro tem sido tema de destaque. A rede de atendimento existente é insuficiente e está pouco articulada internamente e com as instituições que poderiam oferecer parceria. A situação de desigualdade social instalada no país, a pressão exercida pelo tráfico sobre as famílias que habitam as favelas, situações de violência familiar fazem com que crianças necessitem abandonar seus lares. Como conseqüência, cresce o número de crianças nas ruas que, na falta de um acolhimento familiar, são encaminhadas para abrigos da prefeitura, de instituições religiosas ou ligados a ONGs. A precariedade e a escassez de recursos financeiros, a falta de formação de educadores sociais e técnicos e o mau uso do ECA contribuem para que o trabalho desenvolvido desrespeite a legislação vigente, parecendo evocar o Código de Menores, fomentando a violência intra-institucional. Este trabalho foi desenvolvido em 2004, em uma instituição que tinha duas frentes de ação: um abrigo para meninos em vias de abandonar o lar e um projeto para crianças vítimas de violência. As crianças eram encaminhadas basicamente pelo conselho tutelar ou pela própria família e residiam todas numa mesma comunidade: uma favela da zona norte carioca. O objetivo era, a partir da demanda da instituição, traçar uma proposta de trabalho que incidisse sobre as relações na instituição.
METODOLOGIA:
A linha teórica utilizada foi a Análise Institucional. Nossa perspectiva de análise problematizava a dinâmica das relações existentes entre técnicos (psicólogo, assistente social, enfermeiro), educadores (aqueles que acompanhavam as crianças cotidianamente), demais funcionários (técnico de enfermagem, auxiliar de serviços gerias, cozinheiro, vigia), crianças e famílias. Trabalhamos com observação participante do cotidiano, interagindo com profissionais e crianças durante as atividades desenvolvidas; promovendo reuniões com a coordenação, técnicos responsáveis; indo a eventos promovidos pela ONG responsável pelos projetos e participando e coordenando reuniões de equipe. Cada participação nossa foi negociada com a coordenação que, embora receptiva, deixava escapar, em pequenas atitudes, um certo temor a respeito do que seríamos capazes de fazer ou propiciar. Conquistamos, após alguns meses de trabalho, a coordenação de uma reunião de equipe por mês. Das outras três, participávamos de uma, de forma ativa, mas de acordo com a dinâmica proposta. Havia, por parte dos projetos, uma preocupação singular com cada criança e cada família: atendimentos psicológicos sendo realizados freqüentemente, ênfase na higiene, na alimentação, na consciência dos direitos civis. Observava-se uma individualização do atendimento, fato que distinguia a instituição de outras com o mesmo objetivo de trabalho.
RESULTADOS:
Pudemos levantar questões relativas aos valores e crenças que permeavam o trabalho dos profissionais em relação à violência. De certa forma, esta era invisibilizada, embora as crianças chegassem lá com esta marca e este fosse o motivo de existência da proposta. Músicas funk, brigas entre crianças, furto na instituição, descontentamento dos educadores com o trabalho, a essas questões eram dadas soluções imediatistas. As mazelas, era preferível resolver rapidamente ou esconder, do que discutir de forma mais coletiva, sendo as soluções encontradas muitas vezes dissonantes em relação à própria meta de trabalho. A transformação da violência de feridas, surras e mortes em outras formas de violência como constrangimento moral e coação não impedia que da voz da instituição ecoassem discursos moralizantes e disciplinares, enxergando-a apenas como problema a ser resolvido. Destarte, apreendendo a subjetividade como devires, conjunto de componentes políticos, tecnológicos, econômicos, perceptivos, afetivos e orgânicos, procurou-se agenciar novas formas de ação, facilitando processos coletivo, juntamente à equipe local. Foi possível apontar o paradoxo existente, na medida em que a atenção dirigida a cada criança e família não era suficiente para deslocá-las do estereótipo daqueles que pertencem às chamadas "classes perigosas", com destino previamente traçado, devendo, para dele escapar, se submeter a determinados padrões de formação moral e familiar.
CONCLUSÕES:
A perspectiva da Análise Institucional apresentou-se como um referencial profícuo para repensar as relações existentes na instituição, na medida em que questiona práticas normativas, contribuindo para um trabalho mais eficaz e que traga maiores benefícios para os usuários, e maior integração entre os profissionais envolvidos no cotidiano do estabelecimento. Nem por isso deixa de gerar um mal estar na equipe e com a equipe que propõe o trabalho. Enfrentou-se o desafio de por em questão a prática de uma elogiada e reconhecida instituição que se debruça de forma diferenciada em relação à rede, sobre as questões que dizem respeito aos direitos e cidadania de crianças e adolescentes. A dificuldade inicial de entendimento da proposta reapareceu ao final, na forma de estranhamento do que foi desenvolvido. Durante o processo, apesar das dificuldades e resistências, fomos indicados para fazer trabalho semelhante em outra instituição.
Palavras-chave:  abrigo; criança e adolescente; análise institucional.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005