IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 8. Antropologia
PRÁTICAS, SABERES E RITMOS LOCAIS ENTRE PESCADORES ARTESANAIS DA PRAIA DA CONCHA (VILA VELHA-ES)
Márcio De Paula Filgueiras 1 (mpfilgueiras@yahoo.com.br)
(1. Depto. de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo-UFES)
INTRODUÇÃO:
O saber dos pescadores artesanais é muitas vezes desconsiderado, ora pela comunidade científica e seus especialistas, ora pelos técnicos e responsáveis pelas políticas públicas. Essa prática é subsidiada por um tipo peculiar de estratificação social do conhecimento onde a credibilidade do que o pescador diz esta afetada pelo que o pescador é em relação a seus interlocutores (Allut, 2000). Em contraposição a isto, o conhecimento dos pescadores inclui noções muito vastas sobre o ambiente, no nível local, e práticas sociais, que têm contribuído para a compreensão das possibilidades sociais e humanas. Ao mesmo tempo, as comunidades de pescadores artesanais encontram dificuldades cada vez maiores para reproduzir sua existência, em função de dinâmicas relacionadas à expansão da produção pesqueira industrial, muitas vezes predatória, e à poluição de manguezais (onde se reproduzem vários tipos de pescado) e do próprio mar, entre outros. Estas transformações produziram mudanças nas práticas subjetivas e concretas dos pescadores, como a respeito das representações sobre tempo e espaço e das práticas de pesca. É importante lembrar que a pesca artesanal é responsável pela maior parte dos peixes enviados ao mercado interno e que o consumo de pescado no Brasil situa-se abaixo do recomendado pela FAO.
METODOLOGIA:
A pesquisa realizada é uma etnografia que busca descrever e interpretar (Geertz, 1989) as práticas, saberes e ritmos locais dos pescadores artesanais da Praia da Concha (Vila Velha-ES). Para os objetivos da pesquisa foram utilizadas como metodologias à observação etnográfica (Cardoso de Oliveira, 2000) entrevistas abertas (que se configuravam mais como conversas informais com os pescadores), histórias de vida (Becker, 1999) registradas com gravador, anotações em caderno de campo e análise e interpretação de documentos. O processo da pesquisa foi compreendido sempre do ponto de vista de um entendimento da existência de dois universos distintos (o do pesquisador e o dos interlocutores) o que acarretou um deslocamento constante entre transformar o exótico em familiar e transformar o familiar em exótico (DaMatta, 1978), contexto este que produziu as condições da investigação e da escritura do trabalho, marcadas pelos estar aqui, a partir do referencial da nossa ciência, e o estar lá, na observação, interação e interlocução com os outros no trabalho de campo (Campos, 2002).
RESULTADOS:
Os materiais utilizados para a pesca são principalmente linha, anzol e chumbada. As redes são utilizadas como armadilhas, sempre nos mesmos pontos, as chamadas baixas. O acesso preciso a essas baixas é garantido por uma técnica peculiar de localização dos espaços no mar que consiste em utilizar pontos em terra como referência para marcar espaços na água.Utilizando as categorias relacionadas ao tempo ecológico e ao tempo estrutural (Evans-Pritchard, 1978) pude compreender as noções e práticas locais a respeito dos ritmos sociais determinados por eventos naturais, como as variações da lua, das condições do mar (mar manso e mar grosso) e das sazonalidades (tempo frio e tempo quente). Ao mesmo tempo pude traduzir os eventos socialmente significativos relacionados à história comum dos pescadores, percebendo a relevância social da degradação do rio Jucu, que aparece no discurso deles como um marco que separa o antigamente (abundante em peixes), do hoje em dia (marcado pela escassez do pescado). Em relação aos espaços pude perceber também uma transformação em relação às apropriações concretas e simbólicas no que diz respeito a homens e mulheres. Apesar do dois não freqüentarem mais o rio, foram as mulheres que mais se afastaram do cotidiano tradicional da pesca, do qual participavam tecendo ou mesmo ajudando a puxar a rede, de maneira que a totalidade delas trabalha hoje fora de casa (cumprindo, no entanto, dupla jornada, na medida em que lhe restam os afazeres do lar).
CONCLUSÕES:
As conversas e entrevistas com os pescadores e algumas de suas esposas permitiram a percepção de que a continuidade da pesca, no contexto pesquisado, está cada vez mais difícil, principalmente pela crescente escassez do pescado. O fim da pesca artesanal na Praia da Concha levaria consigo práticas e saberes riquíssimos a respeito do ambiente local, sazonalidades e também práticas de pesca. Estes elementos representam um arsenal de conhecimento que pode contribuir bastante para o desenvolvimento das ciências em geral, para a compreensão das práticas e representações sociais a respeito da natureza, assim como podem subsidiar, através do conhecimento tradicional, planos e políticas pesqueiras. Na interpretação de alguns pescadores, a continuidade da pesca local dependeria, entre outros fatores, de uma organização institucional dos próprios pescadores, processo este que se mostrou ausente na Praia da Concha, onde não há nenhum tipo de associação que reúna os pescadores para organizar interesses comuns e fazer reivindicações.
Palavras-chave:  Pescadores; Saberes; Práticas.
Anais da 57ª Reunião Anual da SBPC - Fortaleza, CE - Julho/2005