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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 3. Direito Civil

O CARÁTER PATRIMONIAL COMO REQUISITO DE VALIDADE DA PRESTAÇÃO.

Silvano José Gomes Flumignan 1
(1. Departamento de Direito Civil/USP)
INTRODUÇÃO:

A prestação, tanto no direito moderno, como no direito romano depende de certos requisitos. É imprescindível que a prestação seja possível física e juridicamente, lícita e determinada ou determinável. Há, no entanto, grande controvérsia tanto entre romanistas, quanto entre civilistas quanto ao caráter pecuniário da prestação.

                        A principal fonte de controvérsia, no direito romano, é o alcance de um fragmento de Ulpiano. Mas a fundamentação pauta-se na aplicação da manus injectio e da litis aestimatio pelo juiz privado.

                        No direito moderno, a questão também não é pacífica. Diversos autores defendem a exigência do caráter patrimonial da prestação. Outros, entretanto, defendem sua não exigência. Há ainda aqueles que acreditam ser necessário o interesse patrimonial do credor. Ao se adotar a primeira posição, exclui-se qualquer tipo de prestação que não tenha natureza patrimonial. Já ao se adotar a segunda, correr-se-ia o risco de uma divisão significantemente nebulosa entre o direito das obrigações e os outros ramos do direito civil. Por fim, sustentar a exigência de interesse pecuniário para o credor geraria o risco de excluir uma gama enorme de interesses do direito das obrigações.

                        O estudo é ainda mais pertinente porque no direito brasileiro não há norma expressa sobre o assunto.

                        Partindo-se do direito romano e comparando a doutrina estrangeira com a pátria, será possível conhecer as diversas posições e formular um ponto de convergência entre elas.

METODOLOGIA:

Para a realização da pesquisa utilizou-se os seguintes métodos:

1.      Método dialético: pela análise das posições antagônicas da doutrina sobre o problema da exigência do caráter pecuniário para se validar a prestação.

2.      Método comparístico: analisamos a doutrina e a legislação estrangeira, comparando-a com a brasileira. Privilegiando, principalmente, o direito italiano e o português. Comparou-se também o direito romano com o direito moderno brasileiro e estrangeiro.

3.      Método histórico: refez-se a evolução histórica do instituto, dando ênfase aos aspectos culturais, sociais, religiosos e econômicos que possivelmente influenciaram a legislação.

4.      Método indutivo: a partir da análise de casos concretos tentamos formular uma possível solução para o assunto.

A pesquisa desenvolveu-se da seguinte forma:

Utilizamos os argumentos de romanistas sobre a patrimonialidade, comparando-os com as fontes e sua evolução para o direito moderno. Analisamos as posições doutrinárias no direito romano e fontes primárias. No moderno, o alcance do art. 1174 do Código Civil (CC) italiano e do art. 398, 2 do CC português com as respectivas análises doutrinárias. Buscou-se a melhor solução para o direito brasileiro tendo em vista que não há previsão sobre o tema.

RESULTADOS:

Antes da distinção entre a prestação e o interesse, os autores do início do século XIX e início do século XX entendiam que a patrimonialidade da prestação se definia através do interesse do credor. Por sua vez, os que refutavam esta idéia também argumentavam sobre a patrimonialidade do interesse. V. SCIALOJA, no entanto, insistiu na distinção entre a patrimonialidade da prestação e a natureza patrimonial do interesse do credor. A distinção se refletiu nos argumentos romanistas posteriores ao seu texto e nas codificações italiana (art. 1174) e portuguesa (art. 398,2).

Já com a distinção acima exposta, há duas soluções no direito romano: 1) a que admite o caráter não patrimonial da prestação no período anterior à lex Papilia, por meio do procedimento da manus iniectio; 2) após a citada lei, a responsabilidade tende a ser patrimonial, com a ressalva ao procedimento da litis aestimatio.

No direito moderno, a solução também não é pacífica. Os autores posicionam-se em duas correntes: 1) os que defendem a patrimonialidade da prestação e o caráter não necessariamente patrimonial do interesse, baseando-se no Código Civil italiano; 2) os contrários a patrimonialidade da prestação, afirmando que basta haver um interesse digno de proteção legal, tendo em conta o Código Civil português.

No direito brasileiro, justamente por não ter previsão legislativa expressa, a questão não é pacífica na doutrina e na jurisprudência.

 

CONCLUSÕES:

No direito romano, não é necessária a patrimonialidade da prestação antes da lex Papilia. Posteriormente, a responsabilidade patrimonial do devedor é a tendência, mas não se pode fazer uma afirmação contundente sobre nenhuma posição. Isto se dá principalmente no procedimento da litis aestimatio, que permite um certo grau de discricionariedade pelo juiz quando da estimativa de certas prestações, que, por não ter o caráter de correspondência com o prestação devida, poderiam se referir a uma prestação não patrimonial.

A solução para o direito brasileiro é não se considerar a patrimonialidade. Com isto, é mais fácil reconhecer a responsabilidade e a indenização compensatória, superior à indenização pelo equivalente em caso de inadimplemento. Além disso, o caráter patrimonial da prestação é um requisito pré-processual, que só será observado em momento anterior à propositura da demanda, não um requisito do negócio jurídico. Por ser uma análise para a propositura da demanda, não há o porquê de se excluir prestações não patrimoniais. Até porque há possíveis soluções para o tema como a cláusula penal e a execução específica que trariam a plena satisfação dos demandantes em juízo.

Instituição de fomento: CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: prestação; validade; patrimonialidade.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006