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D. Ciências da Saúde - 3. Saúde Coletiva - 5. Saúde Coletiva

SOFRIMENTO/ADOECIMENTO NO TRABALHO: UMA ANÁLISE DO OLHAR DAS TRABALHADORAS DA SAÚDE

Fernanda Beatriz Müller 1
Suzane Beatriz Frantz Krug 1
(1. Universidade de Santa Cruz do Sul/UNISC)
INTRODUÇÃO:

Contextualizando a esfera global, percebe-se os avanços tecnológicos e as modificações estruturais que atravessam os processos produtivos do “mundo do trabalho”, o que contribui para o aumento de patologias e acidentes de trabalho. Entre a classe trabalhadora situam-se os profissionais da área da saúde. Os aspectos organizacionais do trabalho em saúde, pelas próprias particularidades inerentes ao processo de trabalho, acabam determinando situações de sofrimento, lesões, e adoecimentos de ordem física, mental e social. Apontamos entre os trabalhadores da área da saúde, as mulheres. A dualidade do papel social feminino no processo de produção capitalista e na reprodução determina algumas particularidades. Ressalta-se a atividade doméstica e de cuidado dos filhos, historicamente atribuída às mulheres. Assim, o estudo analisou e refletiu sobre os fatores que contribuem para o sofrimento no trabalho, na perspectiva da construção social do adoecimento de trabalhadoras da saúde, a partir do processo de trabalho desenvolvido em serviços públicos de saúde. O impacto dessas reflexões possivelmente refletirá na assistência à saúde da população, através do melhor entendimento e compreensão pelas profissionais de saúde sobre a organização do seu trabalho. A pesquisa compromete-se ainda com a transformação das relações político-sociais, subsidiando a elaboração de propostas ou até mesmo a efetivação das próprias políticas públicas municipais e regionais na área de Saúde do Trabalhador.

METODOLOGIA:

Buscou-se no método dialético materialista-histórico, o embasamento para a presente investigação científica, como uma postura ou concepção de mundo, de apreensão radical da realidade. A exploração da realidade empírica exigiu uma abordagem metodológica que extrapolasse o campo quantitativo, fazendo-se necessária a apropriação da abordagem qualitativa, assimilando valores e representações do grupo e as relações entre os atores sociais no âmbito das instituições de saúde. A entrevista foi o principal instrumento utilizado para a coleta dos dados junto aos sujeitos do estudo, as trabalhadoras da saúde dos serviços públicos. Aliada a esta técnica utilizou-se a observação simples, registrando-as em um diário de campo. Dados preliminares, como o número de profissionais, categoria, tempo de atuação e local de trabalho foram obtidos junto à Secretaria Municipal de Saúde. Delimitou-se como critério de inclusão dos sujeitos, o tempo de serviço, a partir do ano de 1999 e atuação em serviços de saúde localizados na área urbana. Não nos preocupamos com amostragens quantitativas, mas com o significado da experiência dos entrevistados. Assim, realizamos as entrevistas até percebermos a saturação dos dados, que sinalizavam o final do contato com a realidade empírica. A amostra representativa constitui-se de 17 profissionais. Cabe ressaltar o cumprimento dos princípios ético-legais imbricados na pesquisa científica e a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade.

 

RESULTADOS:

A análise e a interpretação dos dados efetivou-se através da compreensão do contexto histórico do grupo social e do encontro do marco teórico com os fatos empíricos. Utilizando-se da avaliação qualitativa, os dados obtidos nas entrevistas foram analisados à luz do método de Análise de Conteúdo. O sofrimento e adoecimento no trabalho não foi percebido pelas trabalhadoras como vinculado à organização do trabalho e ao processo de trabalho em saúde. A vinculação com o adoecimento se deve, no entendimento das trabalhadoras, ao embate com os usuários, com a assistência prestada a este público. A relação entre o adoecimento no trabalho em saúde foi atrelada às inúmeras e excessivas solicitações dos usuários e às solicitações políticas, principalmente na época das eleições municipais. A identificação do trabalho com o adoecimento foi referida como uma situação clara e presente, porém, a percepção como trabalhadoras sujeitas a lesões e danos à saúde e ainda usuárias de serviços de assistência está distante do entendimento dessas profissionais, percebendo-se uma visível contradição nesse sentido. Quando questionadas sobre essa contradição, referiram a familiaridade da atividade de trabalho em cuidar e tratar do outro, mas a dificuldade de se visualizar como sujeito do processo. A questão do gênero não foi ressaltada como um fator de interferência e sofrimento no trabalho. Em muitas situações, o fato de ser mulher foi referido como favorável ao desenvolvimento das atividades laborais.

CONCLUSÕES:

Do contato com as trabalhadores, emergiram histórias diversas, em espaços institucionais diferentes, semelhantes em conteúdo. São histórias de pessoas diferentes, com vivências comuns no seu trabalho, que raramente conseguem se enxergar como coletivo. Isoladas pela distância entre os serviços de saúde em que trabalham, compartilham, muitas vezes, uma mesma realidade composta pela individualidade da vivência de cada uma. Assim, as trabalhadoras ao referirem-se aos possíveis conflitos existentes entre os trabalhos prescrito e realizado em saúde abordaram esta questão de forma indireta, não percebendo essa situação quando questionadas a respeito, mas relatando vivências em seus trabalhos que apontavam para esta direção.  Ficou claro o entendimento de que nem sempre o que é determinado é o realizado no trabalho em saúde, e vice-versa, contribuindo, dessa forma, para o sofrimento no trabalho. Entendemos, assim como Campos (1997), que a minimização do sofrimento no trabalho em saúde estabelecido pelos conflitos advindos das formas de assistir à população, segundo os modelos de atenção à saúde, passa pelo reconhecimento que o cotidiano no trabalho em saúde não precisa obrigatoriamente ser de repetição, de renúncia à autonomia. Este pode ser um espaço de realização profissional e exercício da criatividade, que contribua para despertar o sentido da coletividade, transcendendo o papel tradicional do trabalho de assegurar a sobrevivência e um determinado nível de consumo.

Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Trabalho; Gênero; Saúde.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006