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D. Ciências da Saúde - 2. Medicina - 5. Psiquiatria
ESTRATÉGIA E RESPOSTA EMOCIONAL DE JOGADORES PATOLÓGICOS E CONTROLES NORMAIS EM TESTES COM E SEM SOLUÇÃO
Raquel Berg 1
Hermano Tavares 2
(1. Instituto de Psicologia da USP; 2. Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP)
INTRODUÇÃO:

O jogador patológico busca subtrair vantagem financeira de suas apostas. Trata-se de uma atividade que por vezes é bem sucedida, mas que a longo prazo se revela infrutífera, pois as probabilidades e as regras de premiação estão estabelecidas para beneficiar o proprietário do jogo, e não, o jogador. Em outras palavras, tentar ganhar dinheiro em jogos de azar é uma típica tarefa sem solução, ou, na melhor das hipóteses, de solução altamente improvável. Isto, contudo, não impede jogadores patológicos de continuarem jogando mesmo em face a prejuízos óbvios. A literatura se concentra nos efeitos do reforçamento positivo para explicar a persistência do comportamento de jogo, dando ênfase ao papel das pequenas e intermitentes vitórias do jogador, que, apesar de insuficientes para cobrir o prejuízo obtido com as apostas, encorajam-no a continuar tentando.

Esse estudo visa avaliar o comportamento dos jogadores sob uma outra ótica. Assim, ao invés de avaliarmos sua sensibilidade ao reforçamento positivo, buscamos verificar o quanto um jogador é sensível à falta de reforçamento, de tal forma que essa percepção possa tanto interromper suas tentativas de controle (desamparo aprendido), quanto aumentar seu comportamento supersticioso a fim de evitar a frustração.

À luz dos experimentos de Hiroto & Seligman e de Helena Matute sobre desamparo aprendido e comportamento supersticioso, é possível supor que o jogador patológico falha em processar as evidências de ausência de solução. Ou seja, a punição (ruína financeira e perda de tempo) e a frustração (ausência de premiação) não são percebidas como evidência da falência do objetivo de ganhar dinheiro no jogo. Esta falha de associação e o condicionamento operante que resulta da intermitência de pequenas vitórias previnem o desamparo aprendido.

Nosso objetivo neste estudo é testar o paradigma de Hiroto & Seligman em jogadores patológicos e controles normais. Nossas hipóteses são que frente a um teste sem solução com reforço negativo exclusivo e feedback de resultado negativo, os controles normais entrarão em desamparo aprendido. Os jogadores, por sua vez, dada sua susceptibilidade ao reforço negativo e dificuldade de processar sinais de feedback negativo, permanecerão mais tempo na atividade e desenvolverão com maior freqüência superstições e ilusões de controle, a exemplo dos indivíduos normais de Matute que foram privados do sinalizador de resultado negativo.

METODOLOGIA:

Descrição da amostra: Participaram da pesquisa 20 pares de jogadores e controles (24 homens e 16 mulheres) entre 27 e 70 anos, sendo que os jogadores estavam em triagem para atendimento no AMJO-HC. Os sujeitos controle foram encontrados na população, e escolhidos por ausência de diagnóstico psiquiátrico maior, crônico ou recorrente – como Transtorno Afetivo Bipolar, depressão recorrente, transtornos ansiosos, alimentares, psicóticos ou dependências de acordo com o SCID-1.

Descrição da análise pós-teste: Através de escalas visuo-analógicas, avaliamos as respostas emocionais evocadas pelo teste. As categorias analisadas foram: crença na existência de uma solução para cada etapa do teste, convicção desta crença, sensação de controle sobre o teste, ansiedade, felicidade, auto-confiança e calma experimentados durante cada etapa. Os quatro grupos responderam aos mesmos questionários.

Descrição da análise do que foi feito no computador: Para analisar o comportamento durante o teste no computador, programamos esse para que registrasse tudo que fosse digitado durante a aplicação dos testes, tanto nos momentos em que havia som quanto nos intervalos entre os ruídos.

Análise estatística: Para a análise estatística utilizamos os testes t e χ2 para variáveis contínuas e categoriais, respectivamente.

Procedimento: utilizamos um programa de computador que produzia um ruído aversivo. Esse programa possui duas etapas, ambas com feedback de erro: uma em que a interrupção do som não é possível, e outra em que a interrupção do som é possível. Foram permitidas 10 tentativas aos sujeitos.

Durante a fase de teste, os sujeitos deviam se dirigir ao computador para fazer o experimento. A informação geral que eles recebiam era a seguinte:

“As únicas teclas válidas no teclado do computador são as teclas 1, 2 e 3. De tempos em tempos, um ruído alto vai tocar por um certo tempo. Tente encontrar uma maneira de interrompê-lo se você acreditar que há alguma forma; ou seja, você pode digitar um número ou não fazer nada. Se a sua escolha for a primeira, o número poderá ter um ou dois dígitos (1, 21, 32, 22, 13 etc), e você deverá tentar interromper a maior parte dos ruídos que conseguir e o mais rápido que puder. Por outro lado, caso você acredite que não há solução para o teste, espere o teste acabar sem fazer nada. Enquanto o ruído estiver tocando, você pode tentar todas as possibilidades que conseguir Os ruídos têm uma duração máxima de 5 segundos. Assim que estiver preparado (a), pode começar”.

Do total de avaliados, dois grupos (um de jogadores e outro de controles) começaram pela etapa onde a interrupção do ruído não era possível (etapa sem solução), e depois realizaram a etapa onde a interrupção do ruído era possível (etapa com solução), e os dois grupos restantes fizeram a seqüência na ordem inversa. Após o teste em computador, todos os sujeitos deviam responder às escalas visuo-analógicas. Os comandos digitados no computador eram automaticamente gravados no ato da digitação. As perguntas foram as mesmas para cada etapa, e ao final havia algumas questões sobre a relação entre elas.

RESULTADOS:

Em relação ao diagnóstico (jogadores patológicos JP=20; controles normais CN=20), percebemos que, na versão com solução, 30% dos JP e 65% dos CN utilizaram algum tipo de estratégia (p=.029). Na versão sem solução, 40% dos JP e 85% dos CN utilizaram algum tipo de estratégia (p=.0006). Ou seja, tanto no teste com solução quanto no teste sem solução os CN relataram mais frequentemente o uso de estratégias elaboradas.

Para crença quanto à existência de uma senha na versão sem solução, em relação ao diagnóstico, 85% dos JP e 55% dos CN acreditam que não existe uma senha (p=.037). Portanto, os JP se mostraram mais céticos que os CN quanto à possibilidade de encontrar uma senha no teste sem solução.

            O software utilizado nessa pesquisa foi programado para registrar o que os participantes digitavam durante a execução do teste. No geral, observamos que o teste sem solução provocava maior freqüência de digitações aleatórias tanto em JP quanto em CN. Já na versão com solução, em relação ao diagnóstico, 35% dos JP e 5% dos CN digitaram aleatoriamente e sem sucesso (p=.038).

Na análise estatística dos sentimentos avaliados para a amostra total, verificou-se que houve uma diferença significativa entre as reações emocionais avaliadas no primeiro e no segundo teste, o que mostra uma consistência interna do questionário. O teste sem solução se mostrou mais ansiogênico, enquanto que o teste com solução trazia mais sensação de controle, convicção, felicidade, auto-confiança e calma aos participantes.

Em relação à ansiedade, a análise de variância (variação de 0-10 no relato dos participantes) mostrou que, no teste com solução, em relação ao diagnóstico, a ansiedade dos JP era, em média, de 2.09 [Erro Padrão=.57], e dos CN de .70 [Erro Padrão=.32] (p=.014). Ou seja, os JP se mostraram mais ansiosos no teste com solução.

No teste com solução, em relação ao gênero (masculino=24; feminino=16), a ansiedade dos homens era, em média, de .88 [Erro Padrão=.31], e das mulheres de 2.17 [Erro Padrão=.68] (p=.041), o que mostra que as mulheres ficaram mais ansiosas no teste com solução.

Em relação à auto-confiança, a análise de variância (variação de 0-10 no relato dos participantes) mostrou que, no teste sem solução, em relação ao diagnóstico, a auto-confiança dos JP era, em média, de 2.81 [Erro Padrão=.48], e dos CN de 4.20 [Erro Padrão=.54] (p=.036). Isso mostra que os jogadores eram mais inseguros quanto à eficácia do próprio desempenho.

CONCLUSÕES:

Nossas hipóteses iniciais eram que mesmo em um teste com feedback de erro, jogadores seriam mais resistentes a entrarem em desamparo aprendido e que o desenvolvimento de comportamento supersticioso no lugar seria alimentado pelas distorções cognitivas descritas na literatura. Contudo, o desamparo aprendido não foi observado em jogadores, nem em controles normais, talvez porque nosso paradigma de teste sem solução não tenha durado tempo suficiente para induzir tal resposta. Nem os jogadores se mostraram mais crédulos, ou exibiram comportamento supersticioso notável. Nosso paradigma mostrou-se sim particularmente eficaz e confiável na demonstração das deficiências de planejamento estratégico dos jogadores, sendo possivelmente útil se somado aos testes neuropsicológicos tradicionais para investigação de funções executivas. Resumidamente:

- Jogadores patológicos têm planejamento deficiente e usam estratégias combinatórias com menos freqüência do que controles normais;

- Ceticismo, ansiedade e insegurança diferenciam as emoções experimentadas por jogadores patológicos em relação a controles normais. Estas respostas podem ser o produto de uma sucessão de frustrações vividas em experiências reais de jogo;

- O uso de um teste curto permitiu melhor enfoque das habilidades executivas dos sujeitos avaliados. Futuras investigações devem buscar validade cruzada com medidas de planejamento, memória operacional e outras funções executivas para validação do paradigma;

- Futuras investigações devem também verificar se versões mais longas do teste podem propiciar repostas comportamentais específicas, tais como desamparo aprendido e superstição.
Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Jogo Patológico; Ilusão de Controle; Desamparo Aprendido.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006