IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 6. Sociologia Urbana
A CONSTRUÇÃO DA FAVELA CARIOCA COMO DESTINO TURÍSTICO
Palloma Valle Menezes 1
Bianca Freire-Medeiros 2
(1. Departamento de Ciências Sociais, Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ UERJ; 2. Orientadora - CPDOC / FGV)
INTRODUÇÃO:

Relatos de viajantes que visitaram o Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX, como, por exemplo, o do embaixador espanhol José Casais, revelam que visitar favelas cariocas não é uma prática que surgiu recentemente. Contudo, nunca houve um número tão grande de turistas interessados em visitar as favelas como há agora. Atualmente, só a Rocinha recebe mais de 2000 visitantes por mês, levados por uma das sete agências que disputam acirradamente o mercado local. E, além da Rocinha, Morro da Babilônia, Morro dos Prazeres e, mais recentemente, Morro da Providência também já recebem turistas do mundo todo. As perguntas que a pesquisa busca esclarecer incluem: De que maneira os promotores turísticos convencem potenciais clientes a visitar um lugar associado à pobreza e à violência como a favela carioca? Que mecanismos discursivos precisam ser acionados para viabilizá-la como atração turística? Como as atividades turísticas nas favelas se relacionam com produções midiáticas e outras práticas de contato transnacionais? A hipótese dessa pesquisa é que, para responder estas questões, é preciso inserir o processo de construção da favela como destino turístico em um duplo contexto: na conjuntura de expansão dos chamados reality tours mundo afora; e no fenômeno de circulação e consumo, em nível global, da favela como trademark, como um signo a que estão associados significados ambivalentes que a colocam, a um só tempo, como território violento e  local de autenticidades preservadas.

 

METODOLOGIA:

Como bolsista de um projeto de pesquisa mais amplo sobre a Cultura de Viagem no Rio de Janeiro, me proponho a expor nesta comunicação um breve resumo do processo de elaboração e venda da favela carioca como destino turístico. Aqui, não é minha intenção focalizar as experiências narradas pelos turistas ou as opiniões dos moradores de favela sobre o turismo em seus espaços de moradia, mas investigar o papel desempenhado por empresários, ONGs, lideranças comunitárias e agentes públicos neste processo. Ao enfatizar as dinâmicas de recepção e consumo presentes na prática turística, muitos pesquisadores acabam por negligenciar a responsabilidade dos agentes promotores na conformação de desejos e fantasias que moldam o produto turístico enquanto tal. Na intenção de preencher essa lacuna, a metodologia desta pesquisa envolveu entrevistas em profundidade com informantes qualificados, como os donos das agências que organizam os passeios na Rocinha e os agentes promotores do turismo no Morro da Babilônia, no Morro dos Prazeres e no Morro da Providência. No caso da Rocinha, foi utilizado um questionário semi-estruturado para investigar a atuação de cada agência na favela. Os sites dessas agências também foram examinados em seus aspectos discursivo e imagético e foram realizadas, ainda, observações de campo que envolviam a participação nos tours.

 

RESULTADOS:

Tendo como base os dados recolhidos ao longo de doze meses de pesquisa, temos como resultado a análise de quatro experiências distintas de elaboração da favela como destino turístico. O mais conhecido caso é o da Rocinha. Nessa favela o turismo é organizado por agentes externos que cobram cerca de U$35.00 por pessoa para um passeio que dura de 3 a 4 horas. Os visitantes, que são em sua maioria estrangeiros, têm a possibilidade de escolher entre diversos tipos de passeio e podem ainda adquirir produtos “by Rocinha”, como camisetas e quadrinhos, ou mesmo fazer doações para projetos sociais. A experiência que mais se contrapõe a Rocinha é a do Morro da Babilônia, onde agentes internos vêm tentando organizar o turismo na favela como uma forma de desenvolvimento sustentável para a comunidade, sem permitir a interferência de agentes externos. Os tours, que até agora não acontecem com muita freqüência, têm como foco os recursos ecológicos e paisagísticos da favela. O turismo no Morro dos Prazeres pode ser considerado como um caso intemédiário entre Rocinha e Babilônia, já que nessa favela há ao mesmo tempo uma colaboração e disputa entre agentes internos e externos que tentam organizar tours no local. O foco dessa experiência é a dimensão artística da favela. O caso que surgiu mais recentemente é o do turismo no Morro da Providência. Nessa favela, foi o Poder Público que promoveu a recuperação de pontos históricos e inaugurou no local o primeiro “Museu a Céu Aberto” da cidade.

 

CONCLUSÕES:

A primeira conclusão que foi possível tirar dos resultados dessa pesquisa é que não faz sentido falar desse campo de experiências de contato como algo homogêneo. Isso porque a favela é um produto turístico que pode ser vendido ou consumido de diversas maneiras. Outra inferência que pudemos fazer é que a identificação do turismo na favela com um "zoológico de pobre" da qual tanto se ouve falar, parte muito mais dos segmentos intelectualizados do que da população local. Quanto à relação entre o turismo e o tráfico, é preciso dizer que há uma grande variação de favela para favela. Na Rocinha, por exemplo, desde que a presença do turismo não atrapalhe o “movimento”, parece não haver problemas, nem mesmo necessidade de negociação direta entre agências e traficantes. Enquanto no caso do Morro dos Prazeres, os passeios tiveram que ser paralisados depois que um traficante ordenou, da cadeia, que não fossem mais feitas visitas de turistas na favela. Uma última conclusão importante que deve ser destacada é que o “Produto Turístico Favela” pode ser interpretado como uma “zona de contato”, que é um território físico e simbólico no qual camadas discursivas se acomodam em múltiplas representações, como, por exemplo, a que é feita sobre a favela e seus habitantes formuladas pelos turistas, a dos turistas formuladas pelos moradores e a da favela formulada pelos moradores para os turistas. Em outras palavras, podemos dizer que a favela apresenta-se como uma espiral contínua de representações.

Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Turismo; Favela; Rio de Janeiro.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006