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G. Ciências Humanas - 5. História - 9. História Social
O PACTUS LEGIS SALICAE: A CONSTITUIÇÃO DOS FRANCOS?
Milton Mazetto Junior 1
(1. DH, FFLCH, Universidade de São Paulo/ USP)
INTRODUÇÃO:

A pesquisa apresentada parte da hipótese, levantada por N. D. Fustel de Coulanges em sua clássica obra, “História das Instituições Políticas da Antiga França”, de que a Lei Sálica seria uma Constituição dos francos, ou o código onde todos os direitos desse povo estariam contidos. A análise de Fustel, porém, é profundamente marcada por acepções modernas de Estado e de justiça. Ao indicar a existência, no século VI, do direito de um povo que continha todas suas normas, o autor está buscando, na verdade, uma constituição nos moldes das monarquias modernas. Seria possível, para a história contemporânea, partir dos mesmos pressupostos e das mesmas categorias utilizadas nesse estudo ao analisar o Pactus legis salicae?

METODOLOGIA:

A pesquisa leva em consideração as novas perspectivas empregadas no estudo das práticas normativas nas obras de história medieval. Essa renovação, ocorrida nas últimas duas décadas, trouxe consigo novos métodos de abordagem, cuja preocupação é, sobretudo, com a sociedade que cria as normas. Essa ruptura se deve, sobretudo, à mudança de foco no estudo das normas. Ao invés de olhar apenas o procedimento e a norma em si, segundo J. Chiffoleau, o historiador passou a se preocupar com o estudo da prática, do método de regulamentação de conflitos, com os vínculos entre normas jurídicas e normas morais ou religiosas e com a casuística de juízes e juristas. Para refletir sobre essa questão é preciso pensar qual o papel dessa legislação em seu contexto social, ao invés de apenas analisar os procedimentos previstos em seus códigos.  Para isso, essa pesquisa propôs uma análise da  repressão ao costume da “faida”, ou vingança privada, presente no texto do “Pactus legis salicae” e também nos Cânones dos Concílios Merovíngios, sobretudo o Concílio de Orleans I.

RESULTADOS:

A análise indica que um dos meios utilizados para a repressão ao costume da vingança no “Pactus legis salicae” é o estabelecimento de multas pecuniárias. No título XXXV, por exemplo, o termo “faida” remete a uma parcela da pena a ser paga pelo crime julgado, o que pode indicar uma quantia pecuniária a ser paga à família da vítima para que essa abra mão do direito de se vingar da ofensa que sofreu. Seria uma maneira da legislação coibir uma prática interpessoal de resolução de conflitos, através da substituição do costume da vingança por uma punição pecuniária. A reparação devida à família da vítima ainda estaria presente dessa forma, porém, estabelecida por um poder institucional cuja preocupação fundamental é com a paz pública ao invés de se preocupar exclusivamente com os problemas da esfera privada.

Essa atenção com a paz também foi encontrada no primeiro parágrafo do primeiro cânone do Concílio de Orleans I, de 511, que trata dos homicidas, adúlteros e ladrões que buscam refúgio nas igrejas. Nesse trecho, é possível notar a preocupação dos bispos para que o criminoso seja punido, porém ele não deve ser morto ou mutilado. Essa demanda pode ser explicada como uma maneira de coibir que se pratique a justiça privada, através da vingança, ou ao menos de regulamentar sua prática. Nesse caso a legislação canônica não estaria se opondo ao combate à “faida”, mas, pelo contrário, mostraria uma preocupação em garantir que a norma presente no “Pactus legis salicae” fosse cumprida.

CONCLUSÕES:

É possível notar, em relação às penas do primeiro cânone do concilio de Orleans I, que a presença dessas punições não invalida a existência de uma pena laica para o mesmo crime, como no caso do incesto, por exemplo, mas elas regulamentam uma instância inalcançável para o soberano: o espiritual. O rei merovíngio não possuía o poder de excomungar alguém que praticava o incesto, da mesma forma que os bispos não podeiam retirar todas as posses de quem comete esse crime, porém a existência de ambas as leis tornaria possível ambas as punições. As disposições eclesiásticas não estariam presentes na Lei Sálica pois já existia uma legislação específica para lidar com esses problemas, e que não era de toda alheia ao “Pactus legis salicae”, mas possuiria preocupações semelhantes, como a manutenção da paz no reino. Através dessa reflexão, que mostra a existência de mais de um código normativo no Reino dos Francos, é possível questionar a noção presente na obra de Fustel de Coulanges, de que o “Pactus legis salicae” era o direito fundamental de seu povo, onde estariam contidas todas as suas normas e regras.

Instituição de fomento: CNPq-PIBIC
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Idade Média; Francos; Lei Sálica.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006