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D. Ciências da Saúde - 1. Enfermagem - 1. Enfermagem de Doenças Contagiosas
LIPOATROFIA FACIAL: A NOVA CARA DA AIDS
Roberta Seron Sanches 1
Ana Paula Morais Fernandes 1
Alcyone Artiolli Machado 2
(1. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo; 2. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto- Universidade de São Paulo)
INTRODUÇÃO:

Associados ao uso prolongado de anti-retrovirais, os efeitos colaterais têm sido constantemente descritos. Dentre esses, a síndrome de lipodistrofia, apresentando alterações metabólicas que incluem as dislipidemias, fortemente associadas ao risco elevado para o surgimento de doenças coronarianas. Relativo às alterações corpóreas, a síndrome da lipodistrofia manifesta-se por alterações na distribuição corpórea de gorduras, caracterizando-se por hipertrofia do tecido adiposo na circunferência abdominal, aumento do tamanho das mamas e alargamento da região posterior do pescoço com a formação de gibas. Em contrapartida, a síndrome da lipodistrofia também apresenta lipoatrofia, visibilizada pela redução de tecido adiposo de face, e conseqüente enrugamento facial, que confere aspecto de envelhecimento precoce e  perda de gordura das nádegas e membros superiores e inferiores, com realce da circulação venosa periférica.

Repercussões psicológicas têm sido descritas em portadores da lipodistrofia, visto que a síndrome tem sido relatada pelos pacientes como um visível marcador para a identificação de pessoas portadoras da infecção pelo HIV. De acordo com o segmento corporal afetado, a lipoatrofia facial tem sido citada como um importante fator estigmatizante para os indivíduos portadores do HIV, tornando-os mais vulneráveis para identificação da soro-positividade e, conseqüentemente, refletindo para degradação de sua auto-estima e socialização.

METODOLOGIA:

Após anuência e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, foram realizadas entrevistas a 50 pacientes portadores da infecção pelo HIV, apresentando dislipidemias e sob tratamento anti-retroviral. Todos os pacientes foram arrolados na Unidade Especial de Tratamento de Doenças Infecto-contagiosas do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão, da Universidade de São Paulo HCFMRP/USP, de acordo com o processo HCRP n° 1540/2004.

Os dados foram obtidos por meio de entrevistas guiadas por um questionário estruturado, abordando perguntas relacionadas a ocorrência da lipodistrofia, como local de surgimento das alterações corporais, e aspectos psico-sociais associados ao surgimento dessas alterações, além disso, dados demográficos como gênero e idade, também foram abordados. Para as análises estatísticas, os dados coletados foram transferidos para um banco de dados após codificação para cada uma das variáveis quantitativas discretas ou contínuas. Após a validação do banco de dados (MS excel) mediante dupla entrada (digitação), os dados foram analisados empregando-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Science), versão 13.

RESULTADOS:

Foram entrevistados 50 pacientes portadores do HIV apresentando dislipidemias (colesterol ( x = 228,0; s = 55,2); triglicérides ( = 380,2; s = 245,2)), com predomínio do sexo masculino 37/50 (74,0%), da cor branca 39/50 (78,0%), solteiros 26/50 (52,0%), com idade variando entre 18 e 67 anos (x  = 43,2; s = 8,1) e tempo de diagnóstico acima de 12 meses.

As alterações corporais estavam presentes em 27/50 (54,0%) pacientes entrevistados. Estratificados de acordo com o segmento corporal afetado, observou-se que 17/50 (34,0%) pacientes apresentavam lipoatrofia facial, 17/50 (34,0%) hipertrofia de tecido adiposo central e 16/50 (32,0%) lipoatrofia nos membros.

Considerando os aspectos psico-sociais dos 20 indivíduos com lipoatrofia facial, 12/20 (60,0%) pacientes relataram que a presença de alterações corpóreas estava afetando sua auto-imagem, 10/17 (58,8%) pacientes relataram alterações na auto-estima, 10/17 (58,8%) perderam a vontade de olhar no espelho, 8/17 (47,0%) apresentaram redução na vida social com tendência ao isolamento. Ademais, 15/17 (88,2%) relataram que as alterações faciais foram percebidas por pessoas de seu convívio social e 13/17 (76,4%) afirmaram temer e acreditar que as alterações em sua face possam revelar seu status de infecção pelo HIV.

 

 

CONCLUSÕES:

Apesar do aumento da sobrevida e redução de episódios mórbidos e conseqüente aumento da qualidade de vida, a terapia anti-retroviral prolongada apresenta efeitos indesejáveis, como a síndrome da lipodistrofia. Alterações na imagem corporal, com as quais se confrontam tais pacientes, contraditoriamente, parecem reduzir a qualidade de vida desses indivíduos. Indubitavelmente, a síndrome da lipodistrofia, e particularmente a lipoatrofia de face, constitui importante aspecto que tangencia o cotidiano de pessoas afetadas pelo HIV. Pacientes que vivenciaram complicações da infecção pelo HIV e estiveram perto da morte consideram a lipodistrofia como um preço a ser pago em troca da longevidade. Nesse contexto, foi possível observar que, além de aspectos relativos à estética, as alterações morfológicas podem reduzir a auto-estima desses indivíduos, acarretando dificuldades nas relações pessoais e sociais.

A lipoatrofia de face pode ocasionar a revelação forçada da condição de portador do HIV. Citada pelos pacientes como uma “marca registrada”, tal alteração apresenta repercussões estigmatizantes, associada ao preconceito e a rejeição existentes na sociedade. Esta exclusão é similar àquela observada no início da epidemia, quando a pessoa com aids era identificada pelo escurecimento da pele, causado pelo uso da droga zidovudina (AZT), ou ainda, pelas lesões de pele características do Sarcoma de Kaposi.

Instituição de fomento: PIBIC/CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: HIV; lipodistrofia; lipoatrofia facial.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006