A Doença de Chagas foi descoberta por Carlos Chagas em 1909. No Brasil esta doença atinge cerca de oito milhões de habitantes principalmente nas populações pobres que residem em condições precárias. Segundo a Organização Mundial da Saúde a doença de Chagas leva com freqüência a mortes súbitas na fase mais produtiva do cidadão. Os métodos sorológicos para diagnóstico da doença de Chagas apresentam sensibilidade e especificidade elevadas, sendo úteis para o diagnóstico nas fases aguda e crônica da doença. Entretanto, é possível a reação positiva por reatividade cruzada com algumas doenças parasitárias, especialmente com as leishmanioses. Por isso, é recomendável a realização de diferentes métodos como hemaglutinação, imunofluorescência e enzima imunoensaio. Resultados positivos devem ser encontrados nos dois métodos utilizados para confirmar o diagnóstico. Nesse trabalho, nos propusemos a avaliar a reatividade de IgG total presente no soro de pacientes chagásicos e em soros de pacientes portadores de diferentes doenças parasitárias, empregando formas epimastigotas-EPI do T. cruzi fixadas. Empregando a citometria de fluxo esperamos diminuir resultados falso-negativos, que em banco de sangue levam à transfusão de sangue contaminado; diminuir resultados inconclusivos que minimizam as etapas de retestagens e conseqüentemente custos, diminuir resultados falso-positivos que causam grave problema social e, finalmente, a automação, que concorre para a obtenção de resultados mais seguros.

Nesse estudo foram empregados soros de pacientes portadores da doença de Chagas-CH, toxoplasmose-TX, malária-MA, leishmaniose tegumentar-LT e visceral-LV, esquistossomose-ESQ e de indivíduos não infectados-NI. Os soros foram inativados, centrifugados e diluídos para realização dos ensaios de detecção de anticorpos IgG anti-EPI fixadas por citometria de fluxo (FC-AFEA). Formas EPI foram coletadas na fase exponencial do crescimento e fixadas. Placas de 96 poços foram adicionadas do soro e da suspensão de parasitos. Em seguida, os parasitos foram reincubados na presença de anticorpos anti-IgG humano conjugados com FITC. Utilizando histogramas de intensidade de fluorescência em função do número de parasitos, pode-se analisar a intensidade de fluorescência relativa apresentada pela população de parasitos fixados. Os resultados das análises de fluorescência foram expressos sob a forma de percentual de parasitos fluorescentes positivos-PPFP. Para a obtenção dos valores de sensibilidade e especificidade foi necessário a definição de um ponto de corte definido através da curva ROC. Esta curva consiste na representação gráfica da sensibilidade e do complemento da especificidade para diversos pontos de corte do método. A curva ROC também foi empregada para a avaliação da acurácia global do teste através do valor da área sobre a curva-ASC, sendo que quanto mais próxima a ASC do valor 1, significa que melhor é o desempenho do teste.

A técnica FC-AFEA utilizou diluições seriadas das amostras de soro (1:128 até 1:16384). Os resultados foram expressos usando o seguinte critério: resultados negativos (PPFP≤20%), resultados fracamente positivos (20%<PPFP≤60%) e resultados altamente positivos (PPFP>60%). A análise dos dados demonstrou a aplicabilidade da FC-AFEA na diluição do soro 1:1024 como uma ferramenta para o diagnóstico da doença de Chagas uma vez que 82% dos CH e apenas 8,8% dos não chagásicos-NCH apresentaram valores altamente positivos de PPFP, com exceção de LV e ESQ que permanecem apresentando valores elevados de PPFP em 52% e 5% dos soros, respectivamente. O elevado desempenho da FC-AFEA também foi avaliado através do programa estatístico MedCalc Statistical. A avaliação da ASC permitiu concluir que o FC-AFEA apresenta elevada capacidade de descriminar indivíduos CH de NCH. Esta análise demonstrou ainda que FC-AFEA apresenta uma sensibilidade de 82,1% e 89,3% de especificidade com valores preditivo positivo-VPP e negativo-VPN de 65,5 e 95,2, respectivamente. As razões de verossimilhança-RV confirmaram que a FC-AFEA apresenta elevado desempenho para ser usada no diagnóstico da doença de Chagas. Como proposto por Jaeschke et al.,1994, RV+>10 praticamente confirma o diagnóstico da doença e RV-<0,1 praticamente exclui o diagnóstico. Baseados nesta proposição nossos dados demonstram que valores altamente positivos de PPFP possuem 7,67 vezes mais chances de virem de um paciente CH que de um indivíduo NCH.

Empregando o valor de 60% de PPFP como ponto de corte a análise dos dados demonstrou, ao longo da curva de titulação, a existência de reatividade cruzada com o antígeno EPI em apenas 8,8% dos soros não chagásicos avaliados na diluição 1:1024 do soro. Esses dados demonstram a necessidade da busca de alterações metodológicas que visem aumentar a especificidade dessa metodologia. As informações geradas nesse estudo abrem novas perspectivas em pesquisas sorológicas, sugerindo que a detecção de sub-classes de IgG (IgG1, IgG2, IgG3 e IgG4) anti-EPI em testes diagnósticos poderia ter grande potencial para estudos de sorologia na infecção pelo T. cruzi.