Alguns estudos têm buscado caracterizar a inserção do psicólogo na saúde pública no Brasil na tentativa de oferecer subsídios para uma atuação profissional sensível ao contexto e comprometida socialmente. Dando continuidade a tal empreendimento de pesquisa, este estudo tem por objetivo refletir sobre o trabalho realizado pelos psicólogos que atuam nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e UBSFs (Unidades Básicas de Saúde da Família) do município de Uberlândia, uma vez que existe um percentual significativo de psicólogos trabalhando nessas instituições de atenção primária à saúde do município. Para tanto, faz-se necessária a compreensão de como o psicólogo tem promovido espaços de acolhimento da população e de coletivização na construção das soluções aos problemas trazidos por ela, em acordo com as características do contexto de saúde pública e das políticas deste campo. As práticas realizadas pelos psicólogos nesse contexto devem ser melhor estudadas para que possamos identificar as possibilidades e desafios da Psicologia na transformação do modelo assistencial em saúde, tal como proposto pelas políticas atualmente vigentes no Brasil. Além disso, os resultados deste estudo poderão também subsidiar novas políticas de formação profissional em Psicologia mais adequadas às necessidades impostas pela realidade brasileira, e que promovam a inclusão de novos conteúdos e disciplinas, bem como o desenvolvimento de competências e habilidades necessárias às exigências do trabalho em saúde.

Este estudo se insere no campo das pesquisas qualitativas. Os participantes foram 09 psicólogos atuantes nas UBSs e UBSFs do município de Uberlândia, provenientes dos quatro diferentes Distritos Sanitários do município, escolhidos aleatoriamente pelos pesquisadores. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevistas semi-estruturadas com os profissionais participantes, os quais foram devidamente esclarecidos dos objetivos da pesquisa e das condições de sua participação na mesma por meio do termo de consentimento livre e informado. Foram coletados dados relativos à identificação do entrevistado; à sua formação; à sua concepção de saúde e do Sistema Único de Saúde; à caracterização do seu trabalho; ao processo de acolhimento aos usuários; às práticas grupais por eles realizadas e às suas práticas de promoção de saúde e de controle social. A análise dos dados obtidos foi realizada segundo as propostas de análise do discurso influenciadas pela perspectiva construcionista social, cujos passos consistiram na transcrição literal de todas as entrevistas realizadas; na leitura flutuante, curiosa e reflexiva das transcrições; na definição de categorias gerais inspiradas no objetivo da pesquisa e sua utilização na construção de um quadro comparativo entre diferentes momentos das entrevistas dos participantes; e, finalmente, na reflexão das questões trazidas pela literatura da área juntamente com as emergentes do material coletado.

Os psicólogos entrevistados atuam no serviço público, em média, há 09 anos.Grande parte optou trabalhar no serviço público em razão da oportunidade de trabalho e da estabilidade.Não tiveram formação ou treinamento prévio para o trabalho,os quais ocorreram durante o desenvolvimento das atividades no serviço.A graduação pouco contribuiu para o trabalho no serviço público,pois tiveram uma formação voltada para a atuação clínica individual e privada.O conceito de saúde da maioria dos entrevistados é o da OMS e,segundo eles,a concepção de saúde,tanto dos profissionais da equipe, quanto da clientela,se reduz ao bem-estar físico.Os principais aspectos positivos apresentados do SUS referem-se à universalidade do acesso e à regionalização das ações em saúde,e os negativos à falta de recursos financeiros,sendo que alguns profissionais não conseguiram ver qualquer influência desses aspectos em suas práticas.O acolhimento é a porta de entrada aos serviços da saúde mental e importante por ser um organizador do serviço.Todos os entrevistados realizam ou já realizaram trabalhos grupais e a razão da escolha por esse tipo de trabalho se explica pela grande demanda.Os profissionais acreditam que suas práticas são formas de prevenção,mas não realizam práticas específicas a esse fim,embora alguns participem de grupos de prevenção promovidos pela Unidade.Não realizam atividades que buscam a participação da população na gestão do serviço e atualmente nenhum deles participa de conselhos de saúde.

Por meio dos resultados apresentados, pudemos identificar as características do trabalho do psicólogo nas UBSs e UBSFs de Uberlândia. A despeito da qualidade do serviço prestado e do envolvimento dos psicólogos, este é marcado por práticas de saúde que não respondem às necessidades da atenção primária, consistindo numa reprodução do modelo psicoterápico tradicional. Além disso, há entre os psicólogos um grande desconhecimento das determinações político-ideológicas da organização e funcionamento do serviço de saúde. Entre os desafios trazidos por estes resultados estão os da formação profissional e do compromisso social. É necessária uma formação que contemple maiores informações sobre uma concepção ampliada de saúde, os princípios norteadores do SUS, a subjetividade das classes populares e as intervenções psicológicas nos diversos níveis de atenção. Contudo, estas informações não serão suficientes se não forem associadas a uma reflexão crítica que promova o reconhecimento da saúde como um direito do cidadão. O enfrentamento destes dois desafios é indispensável para que seja possível a construção coletiva de uma nova atuação psicológica em saúde, criando condições para que a Psicologia contribua com a efetivação das propostas do SUS.

Instituição de fomento: CNPq

Trabalho de Iniciação Científica