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G. Ciências Humanas - 5. História - 10. Teoria e Metodologia da História
A HISTÓRIA DA HISTÓRIA EM CAPISTRANO DE ABREU: UMA ANÁLISE DE SUA PRÁTICA E VISÃO HISTORIOGRÁFICAS
Pedro Afonso Cristovão dos Santos 1
Paulo Teixeira Iumatti 2
(1. Depto de História da Fac. de Fil., Letras e C. Humanas da Univ. de SP/FFLCH-USP; 2. Instituto de Estudos Brasileiros da Univ. de SP/IEB-USP)
INTRODUÇÃO:

Observando a obra do historiador cearense João Capistrano de Abreu (1853-1927), destaca-se, entre outros pontos, o contato intenso com documentos relativos à História do Brasil. Os autores que se debruçaram sobre o pensamento deste historiador, em geral, não aprofundaram o estudo de seu trabalho com estas peças, identificando, porém, o período de imersão de Capistrano de Abreu nas fontes históricas, que seria a década de 1880, como o ponto de virada de seu pensamento, a transição entre o positivismo e o evolucionismo social de sua juventude para o historicismo de sua fase mais madura, em que produziu obras até hoje tomadas como referência por quem estuda a história brasileira, como Capítulos de História Colonial. Entretanto, ainda não se adentrou nos detalhes da crítica de documentos como a realizava Capistrano.

Tendo isto em vista, procuramos estudar a metodologia de Capistrano com os documentos, a(s) teoria(s) que embasava(m) suas preocupações e questionamentos, suas motivações para realizar um trabalho de publicização de documentos outrora de difícil acesso e de que forma a crítica documental incidiu não só sobre suas visões e interpretações da história do Brasil, mas também sobre o pensamento de outros autores importantes do período que compreende as três últimas décadas do século XIX e as três primeiras do século XX.

Partimos da questão do status que o historiador cearense atribuiu a estes documentos, ou seja, como Capistrano situou os autores que viu dentro do processo histórico, ou seja, em um tempo e espaço (engendradores de um conjunto de possibilidades específicas) que não os seus, e como ele se colocou (dentro do conjunto de sua geração) em relação aos cronistas que recuperou e estudou.

METODOLOGIA:

Nossos métodos envolveram basicamente a leitura e análise de um conjunto de materiais que nos permitissem desenvolver a problemática exposta acima. Conferimos especial atenção aos prefácios, introduções e comentários que Capistrano de Abreu escreveu tratando de documentos importantes para a história do Brasil, a maioria deles reunidos na série Ensaios e Estudos, dotada de quatro volumes. Muitos dos juízos do historiador cearense acerca destes documentos encontravam-se em sua vasta correspondência, que foi analisada tanto pelo conteúdo, acessível pelos volumes publicados de cartas, como pelo conteúdo e forma de escrita, vistos com a consulta dos originais da correspondência, guardados no Fundo José Honório Rodrigues, no acervo do IEB-USP. Em alguns casos, que valoramos de maior importância, empreendemos a leitura dos próprios documentos, como foi o trabalho com a História do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, cujo esforço preparatório de Capistrano para sua publicação foi considerado um exemplo notável de sua técnica com fontes. Por fim, também trabalhamos com estudos de Capistrano feitos a partir destes documentos, como Caminhos Antigos e povoamento do Brasil e Capítulos de História Colonial, em busca da forma como sua leitura das fontes incidia sobre a elaboração de interpretações sobre a história do Brasil. Neste sentido, estudamos também autores contemporâneos seus, com o interesse de estabelecer elos que nos permitissem discutir a difusão de certas idéias entre a intelectualidade brasileira do período em questão (1870-1930).

RESULTADOS:

Como resultados, pudemos apresentar um esboço do percurso seguido por Capistrano de Abreu quando confrontado com um documento, desde a tomada de conhecimento da existência de determinado manuscrito até sua utilização como subsídio para visões históricas e sua publicação. A “história da história” de Capistrano de Abreu dava-se dentro da lógica do “juízo” sobre os documentos, considerando indissociável do trabalho de contextualização histórica a visão imediata do historiador sobre a fonte, expressa em suas expectativas e conceitos. Todo este trabalho circunscreve-se na preocupação de uma geração inteira de intelectuais, que fizeram dos documentos a materialização da verdade e o caminho para, a partir da crítica e da verdade, melhor conhecer o passado e o presente de seu país. Capistrano de Abreu, nesta época, optou por um caminho que se iniciou sob tremenda influência positivista e evolucionista, amenizada (mas não eliminada) principalmente pelo contato com documentos históricos e com a “escola histórica” alemã, por ele conhecida não só pela vertente da disciplina histórica propriamente dita (de Ranke), mas também pela escola histórica da economia política alemã. Manteve linhas de continuidade entre os estudos históricos e teses de Comte e Spencer, por exemplo, linhas estas que já existiam no próprio campo teórico. Permitiu que seus pensamentos sobre a história do Brasil ficassem abertos ao contato com as fontes, que, tendo se iniciado ainda na “fase positivista”, parece ter sido feito também de releituras, sob novas óticas. Influenciou e foi influenciado por contemporâneos seus, que seguiram seus caminhos próprios, mas em todos eles mantiveram a preocupação com o Brasil e sua realidade histórica.

CONCLUSÕES:

Por fim, acreditamos poder mostrar uma contribuição ao estudo de história das idéias no Brasil da virada do século XIX para o XX, período rico em visões complexas e influentes sobre nossa formação histórica e realidade social, como atestam as obras de Manoel Bomfim, Euclides da Cunha, João Ribeiro e Capistrano de Abreu, para citar alguns exemplos. O estudo dos procedimentos e pensamentos de Capistrano de Abreu diante de documentos, como ele mobilizava seus conhecimentos, que tipo de asserções fazia e como isto se ligava a regras (implícitas ou explícitas) da intelectualidade de então, entre outros pontos, é o que pensamos haver de mais relevante nesta pesquisa. Ao analisar os fragmentos esparsos em que Capistrano de Abreu tratava de documentos, encontramos regularmente visões e opiniões suas acerca de tópicos da história, geografia e etnologia (principalmente), do Brasil, que, mesmo não estando condensadas em uma obra única (Capítulos de História Colonial não realiza totalmente esta função), a nosso ver formam um conjunto de pensamento, unidade esta entendida historicamente, ou seja, não como uma paisagem cristalizada de pensamentos imunes ao tempo, mas como um percurso intelectual complexo.

Instituição de fomento: Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo/FAPESP
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Teoria; Idéias; Historiografia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006