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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 11. Psicologia Social
FUNÇÃO "AGENTE PRISIONAL" - MODOS DE DIZER E FAZER QUE A DEFINEM ENQUANTO CONJUNTO DE PRÁTICAS DO SISTEMA PRISIONAL NO ESTADO DE SERGIPE
Aída Natalia Montalván Rabanal 1, 3
Helmir Oliveira Rodrigues 1, 3
Manoel Carlos Cavalcanti de Mendonça Filho 2, 3
(1. Departamento de Psicologia/UFS - Graduando; 2. Departamento de Psicologia/UFS - Professor Adjunto; 3. Grupo de Estudos Sobre Exclusão, Cidadania e Direitos Humanos)
INTRODUÇÃO:

O Sistema Prisional tem constituição histórica própria vinculada a problemas de governabilidade e controle de uma população em tempo e lugar específicos, aparecendo como solução para a violência social, onde o criminoso iria reaprender a viver em sociedade.Contudo, não é preciso estar inserido neste campo para perceber que o sistema prisional brasileiro se resume à função punitivo-segregadora.Este estudo aborda os modos de dizer e fazer da Função Agente Prisional, caracterizando seus modos de subjetivação próprios a partir de observação participante e relato de campo referente à freqüência regular ao Presídio Feminino do Estado de Sergipe e à Casa de Detenção de Aracaju, e também a conversações fora do local de trabalho com pessoas de outras unidades, ligadas ao sindicato, freqüentando cursos de formação e reciclagem ou pessoas que, além de trabalhar como agentes, faziam cursos na UFS.A escolha da análise desta função é atribuída ao fato dela estar diretamente ligada à operacionalização do Sistema Prisional propriamente dito, sendo interface entre o Estado e a vida cotidiana.Este estudo tentou reconhecer o funcionamento do Sistema Prisional, bem como a lógica que condiciona as relações no interior do sistema, partindo da análise de fragmentos de discurso relacionados à referida função.Acredita-se que o presente estudo contribuirá para a discussão da perspectiva de produção de conhecimento e modos de atuação na área do Sistema Prisional, pelo menos em âmbito local.

METODOLOGIA:

A estratégia de construção de dados utilizada teve inspiração etnográfica utilizando a técnica de “diário de campo”.Este instrumento associa a elaboração de uma narrativa acerca das relações a que o pesquisador se expõe no campo de pesquisa com o registro sistemático dos fragmentos discursivos relativos à função “Agente Prisional”.O referencial teórico utilizado, de tonalidade foucaultiana, dialoga com a perspectiva multireferencial operacionalizado na forma de pesquisa participante, com base na Etnometodologia (GARINKEL apud COULON) e na Análise Institucional (LOURAU).Da leitura exaustiva dos fragmentos colhidos foram criadas as categorias de análise, agrupadas pelo sentido expresso nos modos de dizer e fazer da função “Agente Prisional”.Sustentados pela experiência de campo a categorização leva em conta, mais que o significado ou a análise de conteúdo, a indexalidade do uso dos termos com a circunstancia social e foram construídas e reconstruídas até se chegar às atuais categorias.Além deste instrumento, utilizamos também um questionário semi-estruturado e sem identificação – a fim de diminuir a interferência nas informações e o sigilo de quem as revela – aplicado aos agentes prisionais nas unidades prisionais acima mencionadas, a fim de associar um aspecto quantitativo de perfil sociológico e para testar o observado nos “diários de campo”.

RESULTADOS:

Os modos de dizer e fazer característicos do Sistema Prisional em Sergipe expõem normas e valores da função “Agente Prisional” enquanto construções do cotidiano institucional, que preenchem de significados super implicados com o papel político que faz existir a própria função, ou seja, revelam sua lógica, no sentido de incorporar os repertórios interpretativos, bem como determinar o lugar de cada um no jogo das relações – inevitavelmente, relações de assujeitamento.Infere-se daí a existência de uma correlação entre estes enunciados e a lógica institucional de produção de identidades funcionais que se moldam pelas práticas organizacionais.A análise da discursividade revela características que sugerem uma naturalização exageradamente óbvia e, portanto, vazias de sentido, que remetem a práticas em constante confronto com uma imagem de sociedade do trabalhador que apregoa a cultura dos direitos humanos.Dessa forma, o modo de encarar o trabalho enquanto valor socializador aparece, na maioria das vezes, apenas como propaganda de uma atuação pretensamente baseada numa concepção de direitos humanos.Direitos estes que desde a entrada nas unidades são violados abertamente e, talvez por força do hábito de quem está inserido no Sistema Prisional, não mais os afetem ou, como posto em alguns dos enunciados, não sejam mais pensados no decorrer do período de plantão.

CONCLUSÕES:
O período de teorizações, as idas ao campo e a análise de fragmentos discursivos da Função “Agente Prisional” fazem falar da coexistência de imagens incongruentes que atuam num mesmo cenário, no qual movimentos instituintes se articulam de modo totalitário, favorecendo a manutenção de práticas arraigadas no antigo modelo, criando, assim, uma simulação de renovação e humanização dentro do Sistema Prisional.Nota-se uma forte necessidade de demonizar o corpo do prisioneiro, de vê-lo como inimigo de alta periculosidade a fim de justificar a crença no tratamento possível pelo modelo estabelecido, ou seja, a face punitiva.O ‘prisioneiro’ aparece, assim, como algo à parte, um objeto inanimado sobre o qual, por um lado se pode falar, teorizar e considerar formas de tratamento estabelecidas como ideais e, por outro, manipulá-lo, segundo conveniências circunstanciais e, certamente, segundo as condições materiais (a falta delas).De acordo com a análise produzida, destaca-se a naturalização de uma separação demasiadamente nítida entre uma imagem “oficial” – que apregoa como forma de atuação, no cotidiano, uma política voltada para a construção de uma cultura de direitos humanos, apesar de manter-se como uma política que não sai da teoria –, discutida e difundida institucionalmente, e as práticas de produção de violência cotidianas no sistema prisional.
Instituição de fomento: PIBIC / CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Produção de violência; Luta anti-prisional; Análise de discurso.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006