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G. Ciências Humanas - 5. História - 1. História da Cultura

MITOS E KATADESMOI – TÓPOS DA FEITIÇARIA ATENIENSE

Tricia Magalhães Carnevale 1
(1. Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ)
INTRODUÇÃO:

Há mais de dois mil anos os atenienses praticavam uma feitiçaria específica, semelhante a que ainda hoje é utilizada. Na sociedade dos atenienses era denominada de katádesmos, a imprecação contra algum indivíduo considerado inimigo ou adversário. Esta prática mágico-religiosa para os atenienses relaciona-se às práticas da feitiçaria identificada como “macumba” no Brasil, e ainda ao vudu entre os povos africanos. Para compreendermos como funcionava o ritual da magia dos katádesmoi, começamos folheando o jornal na parte de classificados em Místicos e analisamos os anúncios diversos sobre como trazer o amor de volta, como desfazer alguma maldição e trabalho feito à sua pessoa, ou ainda como fazer mal a alguém. A partir da identificação do fenômeno estabelecemos uma analogia de como eram realizados os katádesmoi entre os atenienses, ou seja, as finas lâminas de chumbo que traziam gravadas imprecações contra alguém. O mago e solicitante evocavam a uma determinada divindade que imobilizasse o adversário ou prendesse o inimigo no Mundo Subterrâneo, lugar das divindades ctônicas. A divindade, por sua vez, atuaria através de alguma alma agonizada, almas de pessoas mortas fora do ciclo de vida ateniense, ou almas que não receberam os rituais fúnebres e libações para seguirem o caminho do Hades. No discurso mágico da lâmina percebemos que a evocação das divindades seriam Hermes, Hécate, Perséfone, o que demonstra uma seleta classificação do mago ou do solicitante.

METODOLOGIA:

Analisamos os katádesmoi através da linguagem gravada e dos acessórios que às vezes os acompanhavam, como pregos atravessados e bonecos em forma humana, acessórios esses que possuíam significado próprio para o mago e/ou solicitante. Para a mensagem gravada traduzimos do grego diretamente para o português, aplicamos então a Análise do Discurso Mágico (elaborada pela Profª Drª Maria Regina Candido) que consiste em um registro detalhado de toda superfície de artefatos deteriorados como a superfície das lâminas, visto que são encontradas em fendas de templos de deuses ctônicos, etc. A partir desta tradução localizamos a divindade evocada e buscamos seu registro em literatura e vasos do período Clássico e, em autores contemporâneos como Grimal, Brandão, para assim traçar uma possibilidade da presença daquela divindade na lâmina, já que nem sempre Hermes aparecia sozinho, como também não aparecem todos juntos numa mesma lâmina. Assim também podemos ter uma noção de como tal divindade era adorada, visto que a sua mitologia se modificava de acordo com o contexto social de produção de seu surgimento presente na Teogonia de Hesíodo. Utilizamos então, a princípio três metodologias, a saber: a Análise do Discurso Mágico – texto presente nas lâminas, a Semiótica da Imagem de Claude Bérard e Claude Calame aplicado às imagens dos vasos selecionados pertinentes aos mitos.

RESULTADOS:

Nossa metodologia se pauta na tradução dos textos das lâminas, necessita de revisão gramatical e ortográfica, na pesquisa já traduzimos oito lâminas (quatro pela Orientadora e as outras quatro feita por mim sob a supervisão da Orientadora). Os resultados são apresentados parcialmente em eventos, visto que a pesquisa encontra-se em construção. Observamos por exemplo, que Hermes é a divindade que mais aparece no discurso das lâminas, talvez pela temática do discurso gravado pertinente aos ofícios de determinados indivíduos, ou ainda pelo contexto do discurso direcionando-nos ao Hermes psycopompós, aquele que leva as almas dos mortos ao barqueiro Caronte, que, mesmo relacionado à morte, curiosamente, o seu nome não aparece nas lâminas. Estamos elaborando um catálogo com o texto das lâminas no original grego ático e traduzido para o português. Coletamos ainda, panfletos e anúncios de jornais que mostram claramente a herança mágico-religiosa dos gregos na cultura brasileira, para assim mostrar a relevância da pesquisa. O principal objetivo que tentamos alcançar paulatinamente com essa pesquisa é suscitar o motivo da escolha pelo mago ou solicitante das divindades ctônicas e não outras divindades, resultando assim na elaboração de uma pesquisa singular no Brasil.

CONCLUSÕES:

Cotejando as informações colhidas, levantamos a hipótese de que a evocação da divindade pelo mago pode estar ligada à adoração que a mesma recebia à época. Se evoca-se Hermes com mais freqüência, acreditamos ser sua mitologia o motivo, pois nos revela um deus ligado ao comércio e aos mortos, sendo assim Hermes poderia ajudar a prejudicar o indivíduo que interferisse no ofício do solicitante e estaria também “prendendo” a alma deste adversário. Quando evoca-se Hécate acreditamos que o solicitante ou mago deseja muito prejudicar este adversário, pois Hécate trata-se de uma feiticeira com diversos epítetos, além de pertencer a uma família de feiticeiras, Circe e Medéia. O mesmo se dá com Cérbero, sendo este o cão de guarda do Mundo Subterrâneo, cuja função é não deixar ninguém sair, nenhuma alma. Ao evocar Hades e Perséfone o solicitante ou mago dirige-se diretamente aos governantes do Mundo Subterrâneo, talvez por acreditar que eles eram mais poderosos. Entretanto existe a possibilidade da divindade ser evocada como um pedido de permissão para se vingar daquele que o prejudicou primeiro. Observamos que o efeito de prejudicar o adversário era reforçado com o uso de pregos perfurando as lâminas (enroladas) ou ainda de bonecos modelados na forma humana. O local também parecia importar, no cemitério do Cerâmico ou numa fenda do templo do deus ctônico. Sobre a eficácia das lâminas, encontramos em relatos romanos tardios testemunhos de indivíduos doentes por causa das lâminas.

Instituição de fomento: PIBIC/UERJ
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Magia; Imprecação; Katádesmoi.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006