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C. Ciências Biológicas - 3. Bioquímica - 6. Bioquímica
A resposta metabólica do fígado à infusão de glutamina na veia porta e na artéria hepática e a sua distribuição ao longo do ácino hepático
Monica M. Kangussu 1
Jurandir F. Comar 1
Adelar Bracht 1
Ana M. Kelmer-Bracht 1
(1. Departamento de Bioquímica, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR)
INTRODUÇÃO:
A regulação do metabolismo da glutamina no fígado é bastante complexa. O figado em perfusão, por exemplo, demora muito em reagir metabolicamente à introdução portal de glutamina. Pelo menos 50 minutos de infusão são necessários para atingir o estado estacionário. Com outros aminoácidos, o tempo necessário para atingir o estado estacionário é substancialmente menor. O tempo para atingir o estado estacionário diminui em vários estados patológicos como no câncer, na artrite e no diabete. Ele diminui também na presença de glucagon, o que revela que o tempo de resposta está sujeito à regulação de fatores circulantes. Além disto, segundo vários estudos, o metabolismo da glutamina no fígado apresenta um complexo zoneamento. A captação de glutamina (glutaminase) e a produção de uréia predominam na região periportal (próxima à veia porta, rica em oxigênio) enquanto que a produção de glutamina com captação de amônia (glutamina sintase) predomina na região perivenosa (pobre em oxigênio). No presente trabalho investigou-se a resposta do figado à infusão de glutamina na artéria hepática com o objetivo de comparar a cinética da resposta arterial com a da resposta portal. Foram também feitas tentativas de investigar o zoneamento do metabolismo da glutamina no fígado utilizando a técnica da perfusão bivascular anterógrada e retrógrada que permite atingir, seletivamente, regiões específicas do ácino hepático quando substratos ou efetores são infundidos na artéria hepática.
METODOLOGIA:

A técnica utilizada foi a perfusão bivascular do fígado de rato com líquido sem hemoglobina (Krebs-Henseleit-bicarbonato, pH 7.4, saturado com O2:CO2 na proporção 95%). Foram utilizados ratos machos Wistar pesando entre 200 e 250 gramas. A produção de metabólitos foi medida enzimaticamente e a captação de oxigênio polarograficamente. A glutamina foi infundida com velocidades entre 10 e 48 µmol minuto-1 (grama de figado)-1. Os espaços celulares que podem ser atingidos seletivamente através da artéria hepática em perfusão anterógrada e retrógrada foram medidos através da técnica da diluição de indicadores. Esta consistiu na injeção simultânea de [3H]H2O e [14C]sacarose, seguida do fracionamento do perfusado em tempos de até 0,5 segundo e análise numérica das curvas normalizadas de diluição. Desta análise numérica resultou o tempo médio de trânsito que, multiplicado pelo fluxo, forneceu o espaço de distribuição correspondente. Em perfusão anterógrada (veia porta + artéria hepática ® veia hepática) substratos infundidos na artéria hepática irão atingir todas as células hepáticas; mas, em perfusão retrógrada (veia hepática + artéria hepática ® veia porta) apenas uma fração das  células hepáticas será atingida. Uma resposta  normalizada mais acentuada em perfusão retrógrada (Rret > Rant) significa predominância periportal; o contrário, Rant > Rret significa predominância perivenosa. Se Rant = Rret, não há nenhuma predominância (ausência de zoneamento).

RESULTADOS:

Foram necessários mais de 50 minutos de infusão de glutamina para atingir condições de estado estacionário. As respostas de cada fluxo metabólico à glutamina portal 2,5 mM (n = 8) e arterial 2,5 mM (n = 8) foram, respectivamente (µmol por min por g): 1) produção de glicose, 0,458+/-0,031 e 0,214+/-0,016 (p<0,001); 2) produção de uréia, 1,022+/-0,074 e 0,377+/-0,023 (p<0,001); 3) consumo de oxigênio, 0,832+/-0,022 e 0,385+/-0,031 (p<0,001); 4) produção de amônia, 0,667+/-0,090 e 0,746+/-0,097 (p=0,56). Para as produções de glicose e uréia e para o consumo de oxigênio, portanto, a razão portal/arterial foi superior a 2,1; no caso da produção de amônia esta razão foi próxima à unidade. Em relação ao zoneamento da transformação metabólica da glutamina os resultados revelaram valores de Rant e Rret semelhantes de produção de glicose para todas as velocidades de infusão do substrato. Isto significa ausência de zoneamento. No caso do estímulo da neoglicogênese causada pelo glucagon houve uma tendência para Rant > Rret em altas velocidades de infusão de glutamina, mas sem significância estatística. A produção de uréia a partir de glutamina, no entanto, parece predominar na zona perivenosa, pois Rant > Rret; além disto, foi observado que Rant/Rret = f-1 (velocidade de infusão), o que é esperado com base numa modelação matemática da circulação hepática. A razão neoglicogênese/ureogênese foi sempre menor em perfusão anterógrada (0,54) quando comparada com a perfusão retrógrada (0,78).

CONCLUSÕES:

O metabolismo do fígado, portanto, responde menos intensamente a iguais velocidades de infusão portal e arterial de glutamina. Hipóteses podem ser levantadas acerca do motivo desta diferença. A glutamina poderia estar alterando os espaços celulares acessíveis através da artéria hepática. Esta hipótese, no entanto, não é compatível com as respostas observadas na produção de amônia em relação às produções de glicose e ureia. Outra hipótese diz respeito à liberação de agentes inibidores do metabolismo por parte da glutamina no leito arterial ou, alternativamente, de estimuladores no leito portal. Experimentos estão sendo executados para verificar estas hipóteses. A menor razão neoglicogênese/ureogênese em perfusão anterógrada quando comparada com a perfusão retrógrada confirma a hipótese formulada por outros autores de que a região periportal não é capaz de detoxificar toda a amônia produzida quando da captação da glutamina. Isto torna necessária exportação para a região perivenosa, onde haverá captação de amônia com nova síntese de glutamina. Deve-se salientar, no entanto, que isto poderá ocorrer também na própria zona periportal, já que estudos recentes indicam que as células de Kupffer e as celulas endoteliais da região periportal, ao contrário dos hepatócitos periportais, são também capazes de realizar síntese de glutamina. Ainda não foi investigado o papel exercido pela amônia, que ativa a glutaminase, aspecto que será examinado em continuação.

Instituição de fomento: CNPq e Fundação Araucária
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Metabolismo hepático da glutamina; Regulação; Zoneamento.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006