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F. Ciências Sociais Aplicadas - 5. Arquitetura e Urbanismo - 2. Paisagismo e Projetos de Espaços Livres Urbanos

APROPRIAÇÃO INFORMAL DOS ESPAÇOS LIVRES PÚBLICOS

Juliana Quartim Barbosa Gotilla  1
(1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO / USP)
INTRODUÇÃO:

Este trabalho tem como objetivo discutir os aspectos envolvidos nas manifestações espontâneas de apropriação dos espaços livres públicos não formalmente destinados como áreas de lazer, recreação e convivência.

O espaço livre público é, não raro, tratado de forma insular, localizando-se longe do cotidiano das pessoas ou ainda não apresentando condições locais de acesso e usufruto imediato. Dessa forma, sua presença torna-se um “evento”, quando deveria estar inserido no tecido urbano de modo pervasivo, onde mesmo fragmentos e sobras podem ter um potencial de apropriação.

A população já manifesta esta necessidade na medida em que suas apropriações transcendem os usos propostos pelo poder público. Ultrapassando as ordens arbitrárias e abstratas impostas pelos planejadores, o usuário adequa os espaços às suas necessidades do dia-a-dia, carregando consigo relações espaciais e soluções formais de uma determinada maneira de viver.

É preciso questionar a postura distanciada do arquiteto, e fazê-lo chegar mais perto das práticas diárias para avaliar como os usos acontecem espontaneamente, como se materializam e se manifestam na paisagem, estabelecendo contato com a riqueza desse universo, que inclui um olhar mais aberto às manifestações de gosto popular.

A importância desta pesquisa reside em avançar na observação e compreensão destes fenômenos sócio-culturais com vista à fundamentação do projeto do espaço livre público.

METODOLOGIA:

A pesquisa se ocupou em registrar como os moradores, cidadãos que não detém um conhecimento técnico vêem e usam o espaço público. O objetivo foi ultrapassar os limites dos lugares em estudo e questionar como está acontecendo o lazer e a apropriação em áreas tidas como despreparadas para o desenvolvimento de atividades voltadas para a recreação e convívio.

Na dinâmica da pesquisa diversos lugares mereceram ser selecionados como Estudo de caso devido à sua originalidade. Foram selecionadas áreas que têm em comum apenas o fato de expressarem manifestações de apropriações espontâneas, mas que apresentam diferentes características espaciais como porte, localização, uso, inserção na malha urbana, além de diferentes perfis de usuários.

Foram feitas visitas constantes a estes locais, registrando-os em horários e dias diferentes baseando-se, a princípio, em técnicas de observação afastada do usuário.

Foram tiradas fotografias e elaborados “mapas comportamentais” que permitiram análises (com o mínimo de idéias pré-concebidas) das práticas urbanas cotidianas, dos distintos usos dados a um mesmo espaço, para verificar se havia um padrão de comportamento e atuação nos mesmos lugares.

A seguir, já possuindo alguma vivência nas áreas de estudo, foi possível passar às técnicas de aproximação do usuário, a fim de levantar dados qualitativos por meio de entrevistas - conversas aparentemente informais - com usuários e projetistas (quando existentes e encontrados) de cada lugar.

RESULTADOS:

Como outras inúmeras cidades brasileiras, São Paulo não possui um Sistema de Espaços Livres capaz de atender as demandas e desejos da população na vivência diária. A vida pública se desenrola no espaço livre do cotidiano, constituído, não apenas de praças, parques e jardins, mas também de ruas, calçadas, largos, canteiros centrais, áreas condominiais e etc.

Porém, a rua ainda se mostra como principal locus de elaboração da cidadania e civilidade, e por meio das manifestações espontâneas que aparecem por toda a cidade pode-se notar que ainda está presente o desejo de um tipo de encontros que preservem e permitam o estabelecimento de relações sociais mais freqüentes.

Através da observação e registro, seguidos da aproximação ao usuário, realizados nesta pesquisa, foi possível estabelecer um panorama preliminar das manifestações informais que acontecem no espaço livre público da cidade. Foram elaboradas 6 categorias em função do sentido de cada apropriação, tomando-se por base a qualidade de intervenção espacial, o uso e finalidade dado a cada espaço, definindo situações relacionadas à: recreação, lazer e estar com ou sem intervenção formal no espaço; apropriação motivada por comércio; e, às intervenções no espaço que não têm a intenção de acomodar a população.

Os lugares estudados possibilitaram um contraponto entre repertórios, referências, valores e motivações dos diferentes usuários.

CONCLUSÕES:

A pesquisa analisa a apropriação informal dos espaços livres públicos na busca de respostas capazes de clarificar os processos sócio-culturais envolvidos na produção dos lugares de vida no contemporâneo. Apresenta uma abordagem verdadeiramente interdisciplinar, buscando aporte nas Ciências Humanas a fim de entender o desejo de espaço livre público manifesto pela população mesmo em condições adversas.

O desenvolvimento de idéias e métodos comprovou que o processo de questionamento do projetista ao lidar com questões do espaço livre deve ser permanente ao invés da busca por fatos conclusivos e posturas firmemente consolidadas.

Michel de Certau em seu livro A invenção do cotidiano afirma que “a razão técnica acredita que sabe como organizar do melhor modo possível pessoas e coisas, a cada um atribuindo um lugar, um papel e produtos a consumir. Mas o homem ordinário escapa silenciosamente a essa conformação. Ele inventa o cotidiano, graças às artes de fazer, astúcias sutis, táticas de resistência pelas quais ele altera os objetos e os códigos, se re-apropria do espaço e do uso a seu jeito.“

Esta postura nos sensibiliza a acreditar que será somente por meio da aproximação ao usuário e, se possível, sua participação efetiva no desenho do espaço, que haverá projetos mais adequados e condizentes com a realidade de cada lugar, contemplando sua diversidade e dinâmica.
Instituição de fomento: CNPq/ PIBIC
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Paisagem; espaço; apropriação informal.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006