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G. Ciências Humanas - 1. Antropologia - 5. Antropologia Urbana
ADICÇÃO E ESTIGMA: ETNOGRAFIA DE UM GRUPO DE NARCÓTICOS ANÔNIMOS
Jardel Fischer Loeck 1
Leila Sollberger Jeolás 1, 2
(1. Departamento de Ciências Sociais, Universidade Estadual de Londrina/UEL; 2. Orientadora)
INTRODUÇÃO:

A presente pesquisa partiu inicialmente do pressuposto teórico de que alguns indivíduos ou grupos de indivíduos são estigmatizados, ou seja, sofrem restrições sociais como resposta a um determinado comportamento. Nesta situação se encontram muitos usuários de drogas ilícitas que têm a sua identidade de usuário revelada ao público, em outras palavras, este comportamento é altamente passível de estigmatização devido à associação direta com a criminalidade ou julgamentos morais que carregam o tema. Assim sendo, o objetivo principal deste trabalho foi elaborar uma etnografia das reuniões de um grupo de Narcóticos Anônimos, a fim de elucidar algumas questões a respeito do estigma e acusações negativas que sofrem usuários de drogas ilícitas na sociedade, mais especificamente, se este estigma se extingue ou permanece nos membros do grupo que conseguem abandonar o uso de drogas. Outro aspecto abordado foi a possibilidade destas reuniões reunirem características próprias de um ritual, da maneira como a literatura antropológica vem construindo e adaptando este conceito ao longo das décadas, às modernas sociedades capitalistas.

METODOLOGIA:
Para conseguir dar conta da complexidade desta problemática de pesquisa, tanto o método de apreensão de dados quanto o referencial teórico antropológicos se fizeram necessários, na medida em que apenas a partir da esfera da vivência, da interação entre os indivíduos participantes do grupo, que se poderia apreender as nuances dos processos de estigmatização e desestigmatização. Da mesma maneira, só assim seria possível a apreensão dos passos das reuniões na busca de uma essência ritual dos mesmos. Assim, utilizando o método de observação participante, frequentei reuniões em um grupo específico de Narcóticos Anônimos, na cidade de Londrina, Paraná, durante o período de 3 meses e meio. Este trabalho de campo foi a fonte de dados da etnografia posteriormente elaborada, a qual apresentou de forma detalhada a seqüência de acontecimentos das reuniões e, também, a maneira como os participantes relatam seus dramas pessoais decorrentes do uso de drogas, na busca da abstinência e do retorno ao convívio pacífico em sociedade.
RESULTADOS:
Com relação ao objetivo principal, a elaboração de uma etnografia de um grupo de Narcóticos Anônimos, o resultado foi positivo. Mesmo se tratando de um conjunto de indivíduos que se agrupam de forma anônima, na busca da abstinência do uso de drogas, estes foram muito receptivos e solícitos com os propósitos desta pesquisa, não colocando nenhum empecilho para a realização da mesma. O que poderia ter prejudicado o andamento do trabalho era justamente a impossibilidade de participação nas reuniões de um não-membro do grupo, no caso a minha pessoa no papel de pesquisador. Desta maneira, com a possibilidade de participação nas reuniões, as relações construídas no interior do grupo puderam ser apreendidas, da mesma forma a relação dos membros com outros indivíduos fora dos Narcóticos Anônimos. Além disso, o conjunto de práticas e discursos que estão presentes nas reuniões também pode ser apreendido de forma adequada, fornecendo o material necessário à análise.
CONCLUSÕES:
Pode-se perceber que a partir de um conceito próprio para a dependência química e a classificação da mesma como uma doença incurável, os Narcóticos Anônimos atuam de forma ambígua, na medida em que dentro do grupo o conceito funciona como uma fator que iguala todos os membros, desconstruindo o estigma, mas na relação com o resto da sociedade, marca os mesmos como possuidores de uma doença incurável, vinculando-os para sempre à compulsão por drogas. Em outras palavras, o conceito de adicção usado pelo grupo é um fator desestigmatizante nos limites do mesmo, mas, por outro lado, nas relações dos membros exteriores ao grupo, funciona como um fator estigmatizante porque os coloca em uma categoria de doentes no que diz respeito ao consumo de drogas; isso os faz retornar ao começo do ciclo da estigmatização. Quanto às reuniões, pode-se entendê-las sim como uma espécie de ritual, no qual membros novos e antigos trocam experiências de como levar uma vida sem consumir drogas. Partindo da literatura que afirma a permanência dos rituais em várias esferas das sociedades modernas, os grupos de ajuda mútua como os Narcóticos Anônimos são um espaço privilegiado para a ritualidade. Isso porque as reuniões são um espaço altamente marcado pela repetição de falas e gestos, possuem um campo de significação simbólica próprio e auto-referente. Todas as características de um ritual, mesmo pensando nos rituais descritos pela literatura antropológica clássica, estão presentes nas reuniões dos Narcóticos Anônimos e, acredito, nos outros grupos de ajuda mútua.
Instituição de fomento: PROIC/UEL
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Ajuda Mútua; Estigma; Drogas Ilícitas.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006