Este trabalho apresenta os resultados de um estudo sobre a representação do personagem judeu em obras da Literatura Brasileira de autores não-judeus. As obras escolhidas para a pesquisa foram a peça teatral O santo inquérito (1966), de Dias Gomes, e o romance Sobre os rios que vão, de Maria José de Queiroz. Nesses textos se destacam, respectivamente, os personagens Branca Dias, uma cristã-nova vítima da Inquisição no Brasil, e Joel Levi/Jari Leite, um jovem brasileiro de origem judaica. A partir do instrumental teórico fornecido pelos estudos literários, procurou-se realizar uma análise da construção desses personagens. A pesquisa baseou-se, também, no estudo da cultura, da história e da tradição judaicas, principalmente no que concerne à identidade judaica. Teve-se, como objetivo básico, verificar a forma como os personagens são constituídos, uma vez que é bastante comum encontrar, nas diversas manifestações artístico-culturais brasileiras, a construção de uma imagem negativa e estereotipada do judeu, o que revelaria o caráter preconceituoso dessas produções. A relevância do trabalho, incluído num âmbito mais amplo dos Estudos Judaicos na Literatura, dá-se pelo fato de que o tema, bastante rico como foi constatado, ainda é pouco explorado nos meios acadêmicos, e que a representação do judeu na Literatura Brasileira deixa entrever, também, uma face da formação multicultural do Brasil.

1^o.) Estudo do conceito de personagem na Literatura.

2^o.) Análise da peça e do romance escolhidos.

3^o.) Delimitação das estratégias de construção do personagem judeu nas duas obras escolhidas.

A partir da análise dos personagens, obteve-se o seguinte resultado em cada uma das obras:

1^o.) O santo inquérito, Dias Gomes

Branca Dias foi inspirada na personagem histórica homônima que foi perseguida injustamente pela Inquisição.  Foi importante constatar que ela acabou se tornando símbolo da luta contra as perseguições sofridas pelo ser humano. Na peça de Dias Gomes, de 1966, Branca Dias é construída como uma personagem-denúncia que representa os perseguidos pela ditadura no momento em que a peça foi concebida pro Dias Gomes. A partir de elementos do texto, pôde-se inferir que ela representa, também, as vítimas da Inquisição e do Nazismo. Enfim, de toda forma de totalitarismo e violência política.

2^o.) Sobre os rios que vão, Maria José de Queiroz

Joel Levi é um rapaz brasileiro cujos pais são de origem judaica. Na tentativa de livrar-se do peso da identidade, da religião e da cultura judaica, o personagem troca de nome e passa a se chamar Jari Leite. Porém, na paixão pela Física e pela música, evidenciam-se dois traços do personagem considerados tipicamente judaicos: o judeu como cientista, estudioso e o judeu como músico, violinista. Assim, observa-se que não é trocando de nomes que ele irá conseguir trocar sua identidade, arraigada em situações e escolhas mais profundas do que a nomeação. O personagem, portanto, é caracterizado pelo conflito entre o ser e o não ser judeu.

Diante dos resultados alcançados, foi possível concluir que, a imagem do judeu, nessas duas obras, não se configura de forma preconceituosa ou excessivamente valorativa. Os personagens judeus são como quaisquer outros personagens da literatura universal, os quais apresentam-se em seus conflitos interiores e exteriores, na sua busca por identidade, em suas angústias, sonhos, paixões, na sua permanente contradição. De fato, eles representam a própria condição de multiplicidade do sujeito pós-moderno: ser um em muitos e muitos em um, na definição de Ricardo Forster.