A adoção constitui um tema que urge pesquisas que venham a esclarecer, e a produzir conhecimentos, a fim de criar condições e incentivos a esta atitude de importante valor social e psicológico para todos os envolvidos. A presente pesquisa objetivou oferecer elementos que favoreçam a elaboração de estratégias e programas, que auxiliem na superação dos atravessamentos que dificultam a adoção, e que finda por constituir uma significativa problemática psicossocial brasileira. Sabe-se que há no Brasil, um grande número de crianças para serem adotadas, sendo bastante significativo também o número dos que se dispõem a adotar. Esta realidade também é observada no município de Santa Cruz do Sul, onde se registra, através dos dados, a existência de um grande número de crianças a espera de alguém que queira adotá-las. Entretanto, o que ocorre nessa rede onde há tantos habilitados para adoção e crianças que continuam a espera? A adoção constitui um tema de saúde coletiva e uma problemática psicossocial, na medida em que se considera o alto índice de crianças adotadas encaminhadas pelo Juizado da Infância e da Adolescência, Conselho Tutelar e escolas de Santa Cruz do Sul, para as clínicas psicológicas, bem como a desproporção entre o número de crianças que aguardam adoção e o de sujeitos que se dispõem a assumir oficialmente a guarda dessas crianças.

Devido à complexidade do que significa se tornar pai, mãe e filho(a), e da importância que este fator tem na constituição e estruturação do sujeito na vida em sociedade, optou-se por realizar uma investigação científica, delineada pela abordagem qualitativa da realidade. Dentro da perspectiva qualitativa compreendemos que o objeto de estudo é histórico e socialmente construído, sendo possível através da análise, na interação e no confronto entre o empírico e o teórico compreender os sentidos produzidos num determinado contexto. Neste espaço propomos, assim como Spink e Frezza (2000), a discussão em torno da proposta teórico-metodológica afiliada ao conhecimento na visão da Psicologia Social e da Sociologia do Conhecimento. Assim, pelo amparo do Construcionismo Social (SPINK, 2000), se buscou examinar as convenções de ordem moral e das estruturas de legitimação, e entendê-las como regras socialmente construídas e historicamente localizadas, através da análise das práticas discursivas, que constituem o foco central de análise na abordagem construcionista. Assim, foram realizadas entrevistas abertas, com roteiro mínimo, junto à cuidadores de crianças institucionalizadas que estão a espera da adoção, com sujeitos que estão registrados juntos ao Juizado aguardando a possibilidade de adotar, e também, com pais que já realizaram a adoção. Os dados das entrevistas, foram categorizados de acordo com Bardin (1997).

A análise dos resultados objetivou organizar o conteúdos das entrevistas em oito categorias distintas, sendo elas: Conceito de adoção (conceito este que referiu-se a idéia que a adoção como “algo bom”, bem como “ato caridoso”, sendo um marco de diferenciação entre os “filhos verdadeiros” e os “filhos adotivos”); Preferência por bebê ou adolescente (a preferência recai sobre os bebês, devido aos sentidos que validam a condição de bebês adquirirem traços comportamentos da família que o adotou, bem como pelo fato do bebê não “lembrar” da situação de “estar para a adoção”, que é entendida como que encerrando um potencial problemático); Preconceitos (articulavam que crianças institucionalizadas e adolescentes apresentam maiores possibilidades de apresentar problemas psicologicos e sociais, entre outros); Decisão por adotar (a necessidade social de organização de uma família seria somente pela presença de filhos); Expectativas (sentimento de “gratidão” das crianças para com os pais); Inclusão dos pais biológicos e Segredos a adoção (O processo de inclusão dos pais biológicos tange a revelação da adoção realizada e logo, gera nos pais adotivos um medo que mostrou-se inerente à prática da adoção, que é a possibilidade que o filho adotivo tem de investir da família biológica); Opção pela a adoção legal (considerada como uma “gestão difícil”, porém uma garantia caso a família biológica da criança a deseje no futuro) e Preocupação com o discurso (preocupação por parte dos entrevistados em estruturarem práticas discursivas que vinham a validar os modos com que organizavam suas vidas, deixando transparecer uma consciência quanto as melhores condições em que seus filhos podem estar).

A temática da adoção encerra em si a complexidade que toca deste as relações familiares, os processos sociais de institucionalização, fenômenos sociais mais amplos, relações de gênero até questões mais íntimas relacionadas a formação psíquica dos sujeitos, etc. É possível observar que pais adotantes e crianças adotadas convivem com um sentimento de medo que tende a se intensificar na medida em que a criança adotada cresce. Em alguns casos, foi possível associar este medo à possibilidade de que este filho(a) ao se saber adotado, não aceitasse esta condição e consequentemente, os rejeitasse como pais. Nota-se claramente a construção de um meio ambiente psíquico que levou a criança a silenciar sua pergunta “de onde eu vim” - indagação fundamental para a constituição do psiquismo do sujeito e, portanto, para a instauração de sua capacidade de pensar. A principal dificuldade em concretizar a adoção estaria na delimitação de características por parte dos sujeitos que desejam adotar, que vem a restringir significativamente as possibilidades que existem. Muitos dos sentidos observados entre sujeitos cuidadores das crianças, bem como sujeitos na fila de espera para a adoção e pais adotivos, apoiam-se muitas vezes em sentidos muitos semelhantes que vem a validar e perpetuar muitas das práticas observadas e encontradas quando desta temática. Com a continuidade desta pesquisa, se objetiva continuar com a compreenção dos sentidos que se articulam à adoção, através do desenvolvimento de grupos temáticos junto a comunidade e ações de saúde coeltiva que envolvam os sujeitos que estão para a adoção.