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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 6. Psicologia do Desenvolvimento Humano
REPRESENTAÇÕES DE CONTOS DE FADAS: AFETIVIDADE, CULTURA E COGNIÇÃO
Camila Tarif Ferreira 1
Marcella Pereira de Oliveira 1
Samanta Pedroso Natalo 1
Maria Thereza Costa Coelho de Souza 1
(1. Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo - IPUSP)
INTRODUÇÃO:
A representação cognitiva, segundo Piaget (1945), é central para o desenvolvimento mental da criança, na medida em que confere à inteligência a possibilidade de lidar com o representante dos objetos, assim como permite ao sujeito se referir ao passado e ao futuro, desprendendo-se da dimensão sensório-motora vivida no presente. De acordo com esta perspectiva, a construção da função semiótica ou simbólica marca um avanço qualitativo importante quanto ao desenvolvimento da inteligência, propiciando que as crianças possam reconstruir fatos, ações, e também elevar seus julgamentos a um novo nível, o do universo representacional. Ao descrever a formação do símbolo na criança, Piaget busca tratar do assunto apontando tanto os aspectos racionais como os elementos afetivos, os quais, conjuntamente, permitem às crianças representar o mundo à sua maneira. Com base nos conceitos piagetianos sobre representação, afetividade, inteligência e moralidade, esta pesquisa pretendeu investigar as representações de crianças de diferentes idades
METODOLOGIA:

Objetivo: investigar as representações de crianças sobre dois contos de fadas dos Irmãos Grimm: “O Lobo e os sete cabritinhos” e “Senhor Lobo e Senhora gata”.

Método: Participaram da pesquisa 76 crianças (5 a 10 anos), que ouviram um dos contos, recontaram e foram entrevistadas a partir de um protocolo inspirado na entrevista clínica desenvolvida por Piaget. Foram construídas categorias relativas à qualidade das respostas dadas, e, a partir destas, elaboradas três direções para a análise dos resultados: 1) quanto às estruturações cognitivas das crianças; 2) quanto aos aspectos relacionados à afetividade e ao julgamento moral; e 3) quanto à relação entre o tipo de argumento utilizado para justificar as escolhas e o gênero.

RESULTADOS:

Resultados: Os resultados indicaram diferenças entre a qualidade das estruturações cognitivas das crianças mais velhas em relação às mais jovens, bem como quanto ao tipo de escolha, sendo que as crianças mais velhas tenderam a valorizar aspectos mais abstratos dos contos, enquanto que crianças mais jovens tenderam a escolher aspectos materiais/concretos, o que está de acordo com o princípio evolutivo apontado por Piaget. O tratamento estatístico, realizado através do teste de Kruskal Wallis (SPSS), apontou diferença significante entre a idade das crianças e a utilização de diferentes tipos de argumentações na justificação da escolha de aspectos admiráveis do personagem (p=0,001); ou seja, há relação entre a idade das crianças e o tipo de argumentação utilizada, sendo que crianças mais velhas tenderam a emitir respostas classificadas em níveis de argumentação superiores. Quanto ao argumento ligado ao gênero, foram observadas diferenças na sua manifestação, aparentemente ligadas à idade; crianças mais velhas tenderam a justificar suas escolhas utilizando argumentos ligados ao gênero com maior freqüência do que as crianças mais jovens. Entretanto, não foi encontrada diferença significante entre a utilização do argumento de gênero e a idade das crianças entrevistadas.

CONCLUSÕES:

Concluímos, de acordo com Piaget, que a escolha de aspectos interessantes e/ou admiráveis demanda a capacidade de coordenação de valores, pois a criança precisa colocar todos os atributos do personagem numa escala de valores, para decidir qual deles é o mais interessante e tem mais valor afetivamente. A diferença nos argumentos das crianças indica que as capacidades cognitivas e afetivas exigidas na elaboração das respostas são aprimoradas no curso do desenvolvimento. As respostas envolvendo inferências aparecem mais freqüentemente nas crianças mais velhas (entre 7 e 10 anos) já que estas estão entre o nível operatório concreto e o início do nível operatório formal. No plano afetivo, é nessa fase que aparecem os primeiros sentimentos morais e normativos; o egocentrismo se enfraquece e o interesse é cada vez mais voltado para as relações interindividuais. Assim, os aspectos interessantes destacados pelas crianças desta idade são produtos de coordenações mais elaboradas, onde são consideradas as conseqüências morais das ações dos personagens. A discussão sobre a influência do gênero foi baseada em pesquisa anterior realizada com a Universidade de Rennes 2, França, e será complementada com dados de outra investigação, iniciada em 2005, em cooperação com a Universidade de Lausanne, Suíça.

Instituição de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: desenvolvimento infantil; contos de fadas; gênero.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006