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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 5. Teoria e Análise Lingüística

ESCRITA COMO CONSTITUTIVAMENTE HETEROGÊNEA: ANÁLISE DOS USOS DA VÍRGULA E DO PONTO NO ENSINO FUNDAMENTAL.

Rosana Aparecida Rogeri 1
Luciani Ester Tenani 1, 2
(1. Universidade Estadual Paulista/ UNESP - São José do Rio Preto; 2. Orientadora / Profª Drª )
INTRODUÇÃO:

Analisamos no presente trabalho os usos da vírgula e do ponto, por alunos em processo de aquisição da escrita. Esse trabalho nos permitem discutir: i) a heterogeneidade constitutiva da escrita; ii) os usos dos sinais de pontuação (vírgula e ponto) no processo denominado aquisição da escrita; e iii) os estudos sobre pontuação de uma forma mais ampla. Baseados em Abaurre et alli (1997), não podemos nos esquivar de conduzir a discussão para as relações entre o sujeito e a linguagem, pois acreditamos, ser esse o local onde se torna mais produtiva a procura de resposta para o processo que investigamos O modelo teórico adotado busca explicitar, com base em indícios, todas as ocorrências, mesmo que sejam únicas, o que não exclui, porém, uma abordagem quantitativa e nos permite observar tendências em relação aos usos desses dois sinais – a vírgula e o ponto. Consideramos a escrita como uma modalidade da linguagem constitutivamente heterogênea, ou seja, como um lugar de enunciação do sujeito; recusando, portanto, uma idéia de escrita que a considera como produto ou como representação imperfeita da fala. Baseamo-nos, para tanto, em Corrêa (1997), que propõe três eixos para a observação de um modo heterogêneo de constituição da escrita, a saber: i) o eixo da representação que o escrevente faz da gênese da sua escrita; ii) o eixo da representação que o escrevente faz da escrita como código institucionalizado; e iii) o eixo da representação da escrita em relação com o já falado/escrito.

METODOLOGIA:

Utilizando a metodologia do paradigma indiciário (GINZBURG, 1989), elegemos como material para análise 48 textos, produzidos em contexto escolar, por alunos do 2º ciclo do ensino fundamental (5ª a 8ª série). As ocorrências foram agrupadas segundo dois critérios: i) série e; ii) eixo de observação da heterogeneidade da escrita. A análise, em cada uma das ocorrências, procura explicar, mesmo que conjecturalmente, o que se torna relevante para o escrevente no momento da produção textual, no que diz respeito ao uso da vírgula e do ponto. Os suportes teóricos que orientam as descrições dos dados em relação aos eixos de observação da heterogeneidade da escrita, são: i) em relação à suposta gênese da escrita, levamos em consideração as pistas que podem evidenciar uma percepção, por parte dos sujeitos, de constituintes numa hierarquia prosódica como definida por Nespor e Vogel (1986). Os constituintes privilegiados são: enunciado fonológico (U) e frase entoacional (I), por serem os constituintes cujos limites são mais freqüentemente marcados na; ii) em relação à representação da escrita institucionalizada, as pistas que podem evidenciar uma percepção, por parte dos sujeitos, mais relacionadas às regras prescritas por gramáticos e/ou também, um imaginário sobre o que seria a escrita socialmente valorizada; e iii) em relação à dialogia com o já falado/escrito as pistas que podem indiciar essa dialogia, como ocorrências que apontam para o momento de produção textual.

RESULTADOS:

Em relação aos usos de: i) ponto (.); 89% dos usos de ponto estão relacionados a fronteiras de U e, apenas 11% a de I, os usos convencionais desse sinal está mais ligado a fronteiras de U, e os usos não-convencionais, a de I; portanto, o constituinte prosódico que, de forma não-isomófica, pode em alguma medida corresponder ao uso de ponto na escrita é U; e ii) vírgula; 52% correspondem a fronteira de I e 41%, a de U, quadro diferente do anterior, pois, revelam uma diferença de 11% apenas entre a percepção das fronteiras de I e U. Esses dois constituintes estão fortemente relacionados com o que se torna relevante para o escrevente ao utilizar a vírgula como marca de pontuação, outro dado a considerar: a maioria dos casos de uso convencional de vírgula está relacionada à percepção de limite de constituinte I. Na dicotomia convencional vs. não-convencional, observamos que: i) ponto é o sinal mais convencionalmente utilizado; e ii) vírgula é o sinal cujos usos convencionais e não-convencionais diferem por um pequeno percentual. Consideramos também ocorrências nas quais o escrevente parece, em alguma medida, deixar claro que entende qual é o seu papel na prática social em que produz o texto, consideramos tal fato como indícios de representação, por parte do escrevente do já falado/escrito dentro da instituição escolar. A análise baseada no critério "série" revela que a aquisição da pontuação desses sujeitos está mais relacionada com a relação individual com a escrita.

CONCLUSÕES:

Esse estudo demonstrou que o escrevente no momento da produção textual é atravessado por inúmeros fatores de diferentes ordens – alguns que provavelmente fogem à nossa percepção como pesquisador –, o que nos faz supor um objeto que não é nem homogêneo nem representação de outro. A escrita, dessa forma, não pode ser entendida como uma representação imperfeita da fala, pois verificamos que não apenas a relação com a oralidade está presente no momento de produção textual, mas todas as relações que o escrevente, inserido historicamente em práticas sociais, estabelece no uso que faz da sua linguagem, quer na modalidade oral, quer na modalidade escrita, ambas lugares de enunciação do sujeito. Salientamos também que a vírgula e o ponto são os sinais mais perceptíveis e mais empregados por nossos sujeitos. Talvez pelo fato de eles serem utilizados em quase todas as manifestações escritas da linguagem, talvez pelo fato de seu ensino ser mais sistematizado. O gênero proposto para a produção textual foi uma narração, o que possibilitaria uma maior diversidade no uso dos sinais, porém isso não se verificou, pois, em muitos contextos, diferentes sinais foram substituídos pela vírgula e pelo ponto. Os estudos sobre pontuação, podem, em alguma medida, obter ganhos com essa maneira de análise e principalmente com essa concepção de escrita. Os estudos sobre a escrita, em sua heterogeneidade, demonstram que todas as manifestações da linguagem têm esse caráter heterogêneo por excelência.

Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: pontuação; aquisição da escrita; prosódia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006