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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 7. Psicologia do Ensino e da Aprendizagem

QUEM NÃO COLA NÃO SAI DA ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE A PRÁTICA DA COLA ENTRE UNIVERSITÁRIOS

Gabriela Andrade da Silva 1
Marina Monzani da Rocha 1
Leandro Luis Santos e Nascimento 1
Emma Otta 1
(1. Universidade de São Paulo / USP)
INTRODUÇÃO:

A presente pesquisa investiga a prática da “cola” - aqui definida como a comunicação entre colegas, durante uma avaliação formal de aproveitamento de estudos, da(s) resposta(s) de uma ou mais questões que estão sendo exigidas pela avaliação -, entre estudantes universitários. Este assunto, pouco estudado no Brasil, tem sido objeto de considerável interesse na Literatura científica internacional. Apesar de envolver uma transgressão, consideramos que a prática da cola envolve questões de altruísmo, porque o estudante, ao praticar esse tipo de ação, está reagindo à situação de dificuldade de um colega, procurando atenuá-la e, a princípio, não visa o interesse próprio. Como envolve uma transgressão, a ação altruísta tem um custo. O aluno que passa a cola corre o risco de ser descoberto e sofrer conseqüências negativas, como o rebaixamento de sua própria nota e a perda da confiança do professor. A teoria do altruísmo recíproco acentua o valor adaptativo da ajuda, que decorreria de uma potencial aliança de trocas pró-sociais: um indivíduo ajuda o outro num certo momento, com um custo relativamente baixo, aumentando a possibilidade de, mais tarde, receber uma retribuição valiosa. O objetivo da presente pesquisa foi estudar as opiniões e a prática da cola entre estudantes universitários brasileiros, em contextos de Alta e Baixa Competitividade.

METODOLOGIA:

Participaram da pesquisa 239 estudantes de 1º e 2º anos de Engenharia e Química de duas universidades públicas do Estado de São Paulo, aqui identificadas como Universidade 1 e Universidade 2. Há uma diferença entre as estruturas dos cursos de Engenharia nestas universidades: na Universidade 1, o ingresso no vestibular ocorre na área da Engenharia que os estudantes pretendem seguir, caracterizando o que consideramos uma estrutura de Baixa Competitividade (BC). Já na Universidade 2, o curso tem uma estrutura que consideramos de Alta Competitividade (AC): os alunos prestam o vestibular para Engenharia sem especificar a área pretendida e passam os dois primeiros anos da graduação cursando matérias do ciclo básico, ao final dos quais escolhem a área específica que pretendem seguir de acordo com as notas obtidas. A escolha da área a seguir é realizada por ordem de nota. Assim, o estudante que deseja optar por áreas mais concorridas precisa obter médias elevadas, caso contrário, é obrigado a especializar-se em alguma outra área de menor concorrência. Os cursos de Química não apresentam essa diferenciação, podendo ser considerados, em ambas as universidades, como de Baixa Competitividade, tendo sido utilizados como Grupo Controle no presente estudo. Os participantes responderam a um questionário contendo 15 questões, em que a primeira perguntava a opinião do estudante sobre a cola e as demais continham escalas Lickert para que ele avaliasse seu comportamento em relação à mesma.

RESULTADOS:

O teste de qui-quadrado apontou diferença significativa (p < 0,001) entre as opiniões em relação à cola dos estudantes de Engenharia nos contextos BC e AC. Opiniões favoráveis à cola foram encontradas com mais freqüência em BC (35%) que em AC (11%), enquanto as opiniões contrárias foram mais freqüentes em AC (34%) do que em BC (12%). A freqüência de estudantes que declararam indiferença foi semelhante em ambos os contextos (53% em BC e 55% em AC). Para as questões envolvendo escala Lickert de 5 pontos, onde 1 correspondia a “nunca” e 5 correspondia a “sempre”, análises de variância univariadas revelaram diferenças significativas para a freqüência com que: colegas lhes pediram cola (p<0,05); os participantes atenderam os pedidos (p<0,05); eles próprios pediram cola a colegas (p<0,05) e foram atendidos nos seus pedidos (p<0,05). Em todos os casos, as médias foram significativamente menores no curso de Engenharia com estrutura AC, em comparação com BC. Estudantes de Engenharia AC associaram maior prejuízo ao ato de fornecer cola que os estudantes de Engenharia BC (p<0,05). Tanto nos cursos de Engenharia quanto nos de Química, os comportamentos de pedir e passar cola aconteceram entre pessoas com relações de amizade. Não foi encontrada nenhuma diferença significativa entre os estudantes de Química (Grupo Controle).

CONCLUSÕES:
Segundo o relato dos estudantes, a cola ocorreu com menor freqüência e as opiniões foram mais contrárias no contexto de maior competitividade, ou seja, na situação em que o custo era mais elevado. Os estudantes pareciam ter uma certa consciência deste custo, na medida em que avaliaram o grau de prejuízo ao passar cola como mais elevado quando inseridos em contexto mais competitivo. A ausência de diferenças significativas entre as universidades no Grupo Controle ressaltou ainda mais a importância do fator de competitividade como determinante das opiniões e práticas relacionadas à cola. A preferência por passar e pedir cola entre amigos está de acordo com a teoria do altruísmo recíproco: é esperado que um amigo esteja mais propenso a retribuir um favor do que uma pessoa com a qual se tem menos intimidade e que talvez não se reencontre ou encontre pouco. Por fim, se confrontarmos os escores médios de pedidos e de atendimentos a pedidos de cola, concluímos que, em ambas as universidades e nos dois cursos, ocorreu um certo equilíbrio entre os pedidos e os atendimentos, com ajuste à demanda. É como se houvesse um conhecimento da rede social suficientemente bem estabelecido que garantisse previsibilidade. Mesmo não havendo um tratado normativo explícito, uma prática acabou se estabelecendo nas próprias interações e relações. Os estudantes pareciam sintonizados para as questões do dar e do receber cola, dos riscos e prejuízos envolvidos e dos valores vigentes no grupo.
Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Cola; Desonetidade acadêmica; Avaliação escolar.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006