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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 1. Literatura Brasileira
As modinhas e os lundus de Domingos Caldas Barbosa
Fabiana Miraz de Freitas Grecco 1
(1. Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" UNESP)
INTRODUÇÃO:
Em Portugal, na segunda metade do século XVIII, houve intensa propagação de um gênero poético-musical, denominado modinha, cujo divulgador mais destacado foi o poeta brasileiro Domingos Caldas Barbosa. O inegável sucesso de suas quadras deveu-se ao seu caráter improvisador e ao emprego de léxico e temas marcados pelo sabor colonial. Desses improvisos, tornou-se conhecida somente a coletânea intitulada Viola de Lereno (1798-1826). Todavia, várias quadras do poeta encontram-se dispersas em alguns documentos musicais setecentistas, devido à vulgarização de suas modinhas. A partir dessa observação, surgiu a idéia de comparar os poemas encontrados na coletânea referida com os que poderiam ser extraídos de documentos musicais setecentistas, quais sejam: Modinhas do Brasil (cerca de 1780); Jornal de Modinhas (1792- 1796) e Muzica Escolhida da Viola de Lereno (1799), que resultou no projeto As Modinhas e os Lundus de Domingos Caldas Barbosa: 1780- 1799. Tal investigação objetivou a catalogação dessas fontes musicais, de onde foi possível recolher dados como: reprodução de texto e título; data da publicação; autor das melodias; distinção do gênero musical e diferenciação temática. Desse modo, a fase catalográfica tornou-se o eixo do projeto, pois resultou em um corpus poético substancial, proporcionando, assim, uma análise mais ampliada da obra desse poeta brasileiro.
METODOLOGIA:
Todavia, essa investigação foi dividida em quatro etapas, para que fosse possível ampliar o conhecimento acerca de Domingos Caldas Barbosa: sua vida e sua obra. A divisão obedeceu à seguinte seqüência: 1). Levantamento bibliográfico; 2). Leitura e fichamento dos capítulos específicos retirados das obras selecionadas; 3). Catalogação; 4). Análise literária.
RESULTADOS:

Com o desenvolvimento da primeira e segunda etapas, observamos que, em sua maioria, a literatura crítica sobre a vida e a obra de Caldas segue, fundamentalmente, dois vieses opostos, ou seja, um grupo de estudiosos, como, por exemplo, Sacramento Blake, Arthur Motta, Ferdinand Wolf e Antonio Candido, defendem a idéia de que a obra poética de Domingos Caldas Barbosa, restrita somente à análise da Viola de Lereno, é apenas uma manifestação popular, chula e frívola que não deve erigir-se ao posto da literatura brasileira erudita, sendo, dessa forma, classificada como “literatura menor”; e um outro grupo, formado essencialmente por folcloristas como Sílvio Romero e Luis da Câmara Cascudo, que defendem a popularidade e chulice dessas quadras, como expressão única e pura do folclore nacional. A terceira etapa, ou seja, a fase catalográfica, visou à recolha de versos de Caldas Barbosa constantes nos manuscritos musicais: Modinhas do Brasil (cerca de 1780), publicado por Edílson de Lima em 2001, o Jornal de Modinhas (1792- 1796), publicado no ano de 1996 pela Biblioteca Nacional de Lisboa e Muzica Escolhida da Viola de Lereno (1799), publicado pelo musicólogo Manuel Morais em 2003. Tal recolha foi realizada por meio da comparação dos poemas constantes na coletânea Viola de Lereno (1798- 1826) com os encontrados nas partituras das fontes acima citadas. Dentre as 50 modinhas de Caldas Barbosa reunidas por nós durante o processo catalográfico, seis foram retiradas do Jornal de Modinhas, cujos textos poéticos também se encontram na coletânea Viola de Lereno; duas de Modinhas do Brasil e 42, das quais 13 são poemas inéditos de Muzica Escolhida da Viola de Lereno. Durante a fase catalográfica, notamos a presença de versos de Caldas na modinha “Foi-se Josino e deixou-me”, recolhida por Spix e Martius entre 1817 e 1820, em apêndice musical da obra Reise in Brasilien, intitulado Brasilianische Volkslieder und Indianische Melodien. A autoria dessa cantiga foi atribuída ao poeta Domingos Borges de Barros pelo musicólogo Manuel Veiga, em 1998. Porém, essa canção apresenta como estribilho um poema de Caldas pertencente ao primeiro volume da Viola de Lereno, intitulado “Não há remédio senão morrer”, fato esse não mencionado pelo pesquisador. Caso semelhante ocorre com outro poema de Caldas: “Lereno Melancólico”. Essa modinha encontra-se sob o títuloDesde o dia em que eu nasci”, com autoria indicada a Joaquim Manuel da Câmara, no manuscrito “20 modinhas portuguesas de Joaquim Manoel da Câmara- notadas e arranjadas com acompanhamento de fortepiano por Sigismund Neukomm”. Outra versão de Lereno Melancólico é curiosamente encontrada no Jornal de Modinhas e vem sob o título “Que fiz eu à Natureza”, cuja composição musical é assinada pelo Pe. português José Maurício. Quanto ao desenvolvimento da quarta e última etapa do projeto aqui descrito, deparamo-nos, ao analisar as “cantigas” reunidas pela catalogação, as quais não pertencem à Viola de Lereno, com um número relativo delas que se equivalem estrutural e tematicamente às quadras publicadas nessa coletânea. A Viola de Lereno foi publicada (1º vol) em 1798, sendo, o segundo volume, impresso somente em 1826. Os versos dessa coletânea obedecem, em sua maioria, à tipologia redondilha maior e vêm sob a forma de quadras que podem seguir-se de estribilho ou não. O esquema de rimas mais freqüente é ABCB. No que diz respeito ao tema, há uma toante predominante: o amor. Essas quadras insistem em representar figuras como o pastor Lereno e suas pastoras, que acentuam o bucólismo da academia árcade, mas, por outro lado, tornam visível certo desligamento da poética neoclássica por apresentar simplicidade formal na estruturação de seus versos, e, também, pelo uso de expressões extraídas da fala mestiça da colônia, tais como: “angu”, “cuia”, “moleque”, “nhanhá”, “pé-de-banco” e “quingombô”, encontradas em seus lundus. Além disso, a musicalização, recurso esse fortemente utilizado pelo romantismo, assim como o tratamento do tema amoroso, no qual o amor e a musa inclinam-se muito mais para o sentido carnal do que para o platônico, conferem a essas quadras um sabor pré-romântico.

CONCLUSÕES:

Assim sendo, por meio desta investigação, pudemos traçar um panorama a respeito da vida e da obra (somente das cantigas musicadas) de Domingos Caldas Barbosa, sublinhando a popularidade do poeta brasileiro que atuou como trovador na corte portuguesa do século XVIII e acrescentando algumas cantigas e detalhes antes ignorados ao cancioneiro que se estabelece como testemunho histórico no âmbito das atividades poético-musicais luso-brasileiras do final dos setecentos.

Instituição de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Século XVIII ; Literatura Brasileira; Poesia.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006