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H. Artes, Letras e Lingüística - 3. Literatura - 4. Literaturas Modernas
RECONFIGURAÇÕES DA UTOPIA EM EL PARAÍSO EN LA OTRA ESQUINA, DE MARIO VARGAS LLOSA
Ari Denisson da Silva 1
Ildney Cavalcanti 1
(1. FACULDADE DE LETRAS/FALE-UFAL)
INTRODUÇÃO:
O Paraíso é um tema utópico recorrente na história do mundo. O ocidental tem sido sustentado por dois, da fé judaico-cristã, que se opõem: o Éden, um passado irresgatável, e o Reino dos Céus, um futuro post mortem. Une-os o fato de não serem presentes, não poderem ser tateados. Ambos têm exercido influência profunda na vida das pessoas e gerado mais outros lugares ideais, santos ou laicos. Essa reflexão sobre uma espacialidade alternativa se acentuou em 1517, ao se publicar A Utopia, de Thomas More, sobre uma ilha com justeza de governo e qualidade da vida a seus habitantes. Desde então, não se parou mais de refletir sobre os benefícios e os perigos do pensar utópico. Diretamente ligada ao objetivo geral de estudar representações e reconfigurações da utopia, esta pesquisa objetivou oferecer uma leitura crítica do romance El Paraíso en la otra esquina (2003), do autor peruano Mario Vargas Llosa, apontando as representações e manifestações dos elementos utópicos observados no referido texto através das estilizações formais de utopias (histórico-política e estética) vinculadas às trajetórias das duas personagens principais. Sua relevância se observa na temática e abordagem inéditas no Brasil, por ajudar a estabelecer uma representação nacional numa área de crescente expansão internacional — os estudos da utopia — e no acréscimo substancial ao corpus literário estudado pelo grupo de pesquisa Literatura e Utopia, ao abordar uma obra da literatura de língua espanhola.
METODOLOGIA:
Foram estas as etapas do projeto: fazer uma leitura inicial do romance El Paraíso en la otra esquina; estabelecer uma comparação inicial entre as definições e configurações preexistentes da utopia e suas representações na obra; levantar material teórico nas áreas de estudos da utopia, sobre conceituações de utopia e possibilidades analíticas (LEVITAS, BERRINI, COELHO), teoria literária sobre o romance e sobre personagens de ficção (CANDIDO, FORSTER), e fortuna crítica existente sobre o autor e seu texto (CASTELLO, MORA); ler e fichar o material já referido para elaboração de aparato de leitura do texto literário; analisar o romance supracitado sob uma perspectiva que observasse o contexto histórico do romance (visto que foi feito por um latino-americano no início do século XXI), de seu ambiente (ascensão do socialismo utópico na Europa do século XIX), as personagens de ficção e o gênero, que Hutcheon denomina “metaficção historiográfica” (1991). Posteriormente, houve um direcionamento para os estudos da utopia em relação a questões de intertextualidade na obra estudada, o que levou a um levantamento de bibliografia específica (eco, wales, HARMON, HUTCHEON) e uma elaboração de um conceito de intertextualidade para uma focalização, na análise, desta estratégia literária.
RESULTADOS:
A temática do Paraíso é retomada no romance de Mario Vargas Llosa El Paraíso en la otra esquina. O título remete a um jogo infantil que reflete a impossibilidade de trazer o Paraíso, sempre além do tempo e espaço presentes, para o aqui e o agora. O romance trata de duas pessoas que existiram no plano histórico: a feminista peruana Flora Tristán e seu neto — que nunca chegou a conhecê-la —, o pintor Paul Gauguin. Nos onze capítulos sobre Paul, a intertextualidade se mostra de forma mais evidente por meio do paralelo entre sua vida e suas obras, que poderiam ser classificadas de formas diferenciadas, considerando-se os modos pelos quais as obras, especialmente as plásticas, são incorporadas ao texto literário. Dentre estas, há obras de relevância tão grande ao romance que têm seus títulos ou elementos mais destacados postos como títulos e temas centrais dos capítulos. Já nos outros onze capítulos sobre Flora Tristán, as principais formas intertextuais se dão substancialmente com sua obra escrita, como com seu livro “doutrinário”, União Operária e especialmente com o seu relato da viagem que empreendeu ao Peru, Peregrinações de uma pária. A metáfora central desse romance é o jogo infantil, que conota essa busca pelo inalcançável, diferindo apenas na perspectiva temporal que cada uma das personagens adota: Paul Gauguin, o passado “virgem”; Flora Tristán, o futuro justo.
CONCLUSÕES:
Em relação à trajetória de Paul, o diálogo entre o romance e as obras plásticas desse artista permitiu delinear seu projeto estético-utópico e os paradoxos nele contidos. Em relação a Flora, foi enfocada a presença de textos de sua autoria, que provavelmente serviram a Llosa como fonte de pesquisa para a elaboração de romance. A análise, neste ponto, foi centrada na obra Peregrinações de uma pária, e o contraponto entre esta e o romance de Llosa ofereceu a possibilidade de percepção da reutilização, no texto, dos ideais utópicos (feministas, socialistas) contidos nas obras de cunho biográfico. Também foi possível observar o caráter irônico da obra, visto que ela traz os textos anteriores, imbuídos de suas intenções utópicas, e os enquadra num contexto de bancarrota das mesmas. No fim de tudo, constrói-se a idéia de que o tempo passará, muitas mortes e “mártires” haverá e o Paraíso estará sempre “na outra esquina”.
Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Utopia; Crítica literária; Intertextualidade.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006