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C. Ciências Biológicas - 10. Microbiologia - 2. Microbiologia Aplicada
PRIMEIRA IDENTIFICAÇÃO DE LINHAGENS DE Nostoc PRODUTORAS DE MICROCISTINA NO BRASIL
Diego Bonaldo Genuário 1
Karla Nishiyama Marques 1
Maria Estela Stenico 1
Luiz Alberto Beraldo de Moraes 3
Plínio Barbosa de Camargo 2
Marli de Fátima Fiore 1
(1. Laboratório de Biologia Celular e Molecular. Centro de Energia Nuclear na Agricu; 2. Laboratório de Ecologia Isotópica. Centro de Energia Nuclear na Agricultura/USP.; 3. Departamento de Química. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão P)
INTRODUÇÃO:

O reservatório de captação de água do Campus “Luiz de Queiroz”, ESALQ/USP, Piracicaba, SP com uma área de 11,65 ha foi construído entre os anos de 1982/83 com finalidade de represar e armazenar água destinada ao abastecimento do campus. Hoje o reservatório, ainda usado para abastecimento do Campus, está coberto por macrófitas, gramíneas e outras espécies de plantas aquáticas. Aliado a esse fato existe a confirmação da presença de toxinas de cianobactérias, uma vez que na análise da água tratada foram encontradas concentrações de microcistina, um tipo de toxina produzida por este grupo de bactéria.

As cianobactérias estão cada vez mais presentes nas águas utilizadas para consumo humano. Isso ocorre devido, ao enriquecimento crescente de N e P, provenientes de poluentes ali despejados. Algumas dessas cianobactérias produzem toxinas que, quando ingeridas em grande quantidade provocam danos (inclusive câncer) e até a morte de animais e humanos. Um exemplo de mortandade em humanos ocorreu em Caruaru, aonde aproximadamente 56 pacientes de um centro de hemodiálise vieram a falecer após serem expostos a essas toxinas (Azevedo et al., 2002). Essas toxinas, portanto, representam um risco para a saúde pública.

O objetivo do presente trabalho foi realizar o levantamento da comunidade de cianobactérias presentes no reservatório de captação de água do campus “Luiz de Queiroz”, isolar e identificar espécies produtoras de toxinas e caracterizar as toxinas produzidas pelos isolados

 

METODOLOGIA:

Em condições assépticas, 1 mL das amostras de água bruta foi inoculado em meios de cultura BG-11 (Allen, 1968) com e sem N, e AA/4 (Allen e Arnon, 1955), suplementados com ciclohexamida (50 µg/mL). Os isolados foram identificados morfologicamente usando microscopia ótica. A análise de microcistina foi feita usando o teste ELISA (Kit Beacon Microcistina Placa, All Quality, Araraquara, SP).

Para os isolados de Nostoc CENA78, 88 e 89 foram feitas extrações de DNA genômico utilizando o protocolo de Fiore et al. (2000). O gene de rRNA 16S foi amplificado por PCR a partir do DNA extraído, usando os  iniciadores 27F1/1494Rc (Neilan et al., 1997). A clonagem do rRNA 16S foi feita usando o kit de clonagem “pGEMR - Easy Vector System” (Promega, Madison, WI, EUA). A PCR para o sequenciamento dos insertos foi feita usando o kit “DYEnamic ET terminator” (Amersham Bio., Sunnyvale, CA, EUA). Para isso foi usado os iniciadores  M13F e SP6, e os internos 357F/357R, 704F/704R, 1114F/1114R.

Na extracão de microcistina das Nostoc, duas soluções foram testadas, uma de ácido acético 5% (v/v) e a outra de metanol 100%. A cada 0,2 g de material liofilizado, acrescentou-se 2 mL de cada solução. Centrifugou-se por 10 min a 12.000 rpm e coletou-se o sobrenadante. Procedeu-se a análise em Q-TOF (Micromass, Manchester, UK) equipado com fonte de íon electrospray (ESI).

 

RESULTADOS:

Sete gêneros de cianobactérias foram isolados (Phormidium, Pseudophormidium, Liminothrix, Trichormus, Microchaete, Nostoc e Fischerella). Entretanto, somente três isolados de Nostoc (CENA78, CENA88 e CENA89) apresentaram resultados positivos no teste de microcistina. Análises de microcistina anteriormente realizadas na água bruta do reservatório também mostraram a presença desta toxina, entretanto em quantidades inferiores àquela estabelecida pela Portaria N.º518/2004 do M.S, a qual é de 1µg/L. No entanto, nas análises das linhagens Nostoc CENA78, CENA88 CENA89 os valores encontrados foram 4,63, 4,29 e 4,51 µg/L respectivamente.

A comparação por análise BLAST das seqüências de rRNA 16S das Nostoc mostrou identidade de 95% da CENA89 com a Nostoc 8941 simbionte de Gunnera dentata da Nova Zelândia, enquanto que as CENA78 e CENA88 não apresentaram identidade com outras seqüências de Nostoc do GenBank. A análise filogenética também mostrou que essas duas últimas linhagens estão separadas das demais. Possivelmente esses dois isolados são novas espécies de Nostoc.

As análises por Q-TOF dos extratos intracelulares purificados das três linhagens de Nostoc mostraram espectros similares. A microcistina identificada foi a [D-Asp3, Dha7]MCYST-HtyR, sendo este o primeiro relato da produção dessa isoforma por Nostoc e o primeiro caso de Nostoc produtora de microcistina no Brasil. Outra substância encontrada foi a nostocine A, um pigmento violeta que é tóxico para diversos organismos.

 

CONCLUSÕES:

As cianobactérias estão presentes no reservatório de captação de água do Campus “Luiz de Queiroz”, inclusive espécies produtoras de microcistinas. Essa constatação cria uma preocupação quando considera-se a utilização do reservatório para o abastecimento interno do Campus e a presença de cianobactérias produtoras de toxinas nocivas ao homem. Três linhagens de Nostoc foram encontradas produzindo uma isoforma de microcistina. Esse gênero é considerado cosmopolita podendo ser encontrado em ecossistemas aquáticos, terrestres e em simbioses. Linhagens de Nostoc podem também ocorrer em florações de cianobactérias em baixa população e raramente forma uma massa expressiva. Na literatura existem relatos da ocorrência de floração de Nostoc no Texas (EUA) que causou intoxicação em animais domésticos e selvagens. Até o momento somente três linhagens de Nostoc são conhecidas por sintetizarem microcistinas: Nostoc sp. 152 isolada de um lago na Finlândia, Nostoc sp. DUN901 isolada de águas salobas de um lago no Reino Unido e Nostoc IO-102-I isolada do líquen Pannaria pezizoides coletado de musgos de uma rocha na Finlândia. Este trabalho relata, portanto, pela primeira vez no Brasil, a ocorrências de linhagens de Nostoc produtoras de microcistinas. Diante dos resultados obtidos, conclui-se, que o monitoramento constante da qualidade da água do reservatório por meio da quantificação de microcistina é necessário, uma vez que foi constatada a presença de linhagens tóxicas de cianobactérias.

Instituição de fomento: FAPESP (Processo No. 02/02250-0) e CNPq (Processo No.111220/2004-1).
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Microcistina; Nostoc; Q-TOF.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006