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C. Ciências Biológicas - 5. Ecologia - 3. Ecologia Terrestre

O comportamento de carona em saúvas: uma avaliação experimental de três hipóteses

Ernane Henrique Monteiro Vieira Neto 1
Fabiane M. Mundim 1
Heraldo L. Vasconcelos 1
(1. Instituto de Biologia, Universidade Federal de Uberlândia / UFU)
INTRODUÇÃO:
As formigas-cortadeiras do gênero Atta são os herbívoros dominantes em muitos ecossistemas Neotropicais (Hölldobler & Wilson, 1990). Essas formigas possuem colônias com milhões de operárias altamente polimórficas e um complexo sistema de divisão de tarefas entre as castas (Wilson, 1980). Um comportamento curioso das saúvas é o comportamento de carona, no qual operárias mínimas sobem em fragmentos carregados por operárias forrageiras no retorno ao ninho. Esse comportamento foi noticiado para todas as espécies de saúvas (Linksvayer et al., 2002). Entretanto, não existem estudos que testaram experimentalmente mais de uma das hipóteses propostas para explicar este comportamento: a defesa contra forídeos, a obtenção de seiva pelas mínimas e a preparação do substrato fora do ninho. Assim, neste estudo testamos experimentalmente essas três hipóteses. O uso de um protocolo experimental padrão possibilitou a comparação do efeito de cada um dos fatores (forídeos, seiva e contaminantes) sobre o comportamento de carona em Atta.
METODOLOGIA:

O estudo foi conduzido entre Setembro de 2004 e Fevereiro de 2006, com 35 colônias de campo maduras de Atta laevigata e duas colônias laboratoriais de Atta sexdens (ambas maduras). Para determinar o efeito da presença de forídeos no comportamento de caronistas, nós conduzimos experimentos pareados na ausência (controle) e na presença (tratamento) de forídeos. Para cada teste com colônias de campo de A. laevigata, na presença do forídeo, nós contamos durante 15 minutos o número de fragmentos com e sem caronistas passando por um ponto fixo da trilha. Nós então removíamos o forídeo, e depois de 30 minutos nós repetíamos a contagem. Para colônias laboratoriais, os experimentos controle consistiam da apresentação de uma folha fresca de Hibiscus (Malvaceae) a colônia. Para os experimentos tratamento, o mesmo procedimento era adotado, porém na presença de uma mosca forídeo na arena de forrageamento da colônia. Para determinar se a presença de seiva nas folhas influencia o comportamento das caronistas, nós fizemos testes pareados com folhas frescas (controle) e secas (tratamento). Para determinar se a presença de contaminantes no substrato coletado pelas saúvas influencia o comportamento, nós contaminamos flocos de Corn Flakes® com fungo obtido de pão embolorado (Rhizopus sp.) (Zygomycota). Flocos limpos foram estabelecidos como controle. Em todos os experimentos descritos acima nós anotávamos a posição de todas as caronistas. As posições eram as seguintes: andando, quando a mínima se movimentava por toda a superfície do fragmento, sem parar em nenhum local; na borda, quando estava parada na borda do fragmento; e no centro, quando estava parada no centro do fragmento. Para cada ensaio nós calculamos a porcentagem de fragmentos com caronistas. Nós usamos testes t pareados para comparar as diferenças na porcentagem de fragmentos com caronistas entre os grupos controle e tratamento. Para determinar se haviam diferenças nas posições das caronistas nos fragmento entre os grupos controle e tratamento, nós utilizamos a ANOVA para blocos casuais.

RESULTADOS:

Para colônias de campo de A. laevigata o número médio de fragmentos com caronistas não aumentou significativamente na presença de forídeos (teste-t pareado, t = 1.44; gl = 9, p = 0.183), mas aumentou quando os fragmentos tinham seiva (teste-t pareado, t = 4.09; gl = 31, p < 0.001), e quando eles estavam contaminados (teste-t pareado, t = 9.89; gl = 16, p < 0.001). A presença de contaminantes resultou no maior aumento da porcentagem de fragmentos com caronistas; a presença de caronistas era aproximadamente 50% maior em fragmentos contaminados do que em fragmentos limpos. Em contraste, a proporção de fragmentos com caronistas era 10% maior em folhas com seiva do que em folhas secas. Resultados semelhantes foram obtidos em colônias laboratoriais de A. sexdens, apresar de a presença de forídeos ter resultado em um pequeno, mas significativo, aumento na porcentagem de fragmentos com carona (teste-t pareado, t = 5.33; gl = 15, p = 0.043). Os dois tratamentos restantes também foram significativos (teste-t pareado, seiva: t = 3.27; gl = 12, p = 0.003; contaminantes: t = 13.73, gl = 16, p < 0.001) e aqui também a magnitude do efeito foi maior para contaminantes do que para seiva.

             Tanto para A. laevigata quanto para A. sexdens, as posições das caronistas variaram de acordo com a condição do fragmento (com ou sem seiva, e com ou sem contaminantes) assim como na presença e ausência de parasitóides. Na presença de forídeos, houve uma tendência de que as caronistas fossem encontradas mais frequentemente se movimentando sobre a superfície do fragmento, do que paradas no centro ou na borda dos fragmentos. Nos fragmentos controle, isto é, fragmentos de folhas frescas sem a presença de forídeos, as caronistas eram encontradas mais frequentemente na borda do fragmento do que nas outras posições. Nos ensaios testando o efeito da seiva (isto é, fragmentos frescos vs. fragmentos secos), nós encontramos que na presença de seiva as caronistas ficavam mais frequentemente na borda do fragmento, aparentemente bebendo seiva, enquanto que a seiva não estava disponível, as caronistas permaneciam no centro do fragmento. Finalmente nós observamos que nos flocos contaminados, as caronistas permaneciam no centro do fragmento (onde a concentração de contaminantes era maior), enquanto nos flocos controle (limpos) elas se encontravam mais frequentemente andando sobre a superfície do floco.

CONCLUSÕES:

Nossos resultados sugerem fortemente que o comportamento de carona em saúvas possui múltiplas funções. Apesar do fato de que para as duas espécies de saúva nesse estudo o número de caronistas não aumentou ou aumentou pouco na presença de forídeos, isso não reduz a importância desse comportamento na defesa contra parasitóides. Na verdade esse é um mecanismo importante, particularmente para espécies de saúvas que forrageiam predominantemente durante o dia (quando os forídeos estão ativos) e são parasitadas por espécies de forídeos que pousam nos fragmentos para atacar as operárias (Eibl-Eibesfeldt, 1967; Feener & Moss, 1990). Para outras espécies de saúvas e/ou durante períodos do dia em que os parasitóides não estão ativos, a limpeza da folha é provavelmente a função primária desse comportamento.

             Nossos experimentos deixam claro que as mínimas obtêm seiva durante a carona, mas essa função parece ser oportunística. Caso contrário ficaria caracterizado um tipo de parasitismo, visto que as mínimas beneficiam a si mesmas (bebem seiva) enquanto as operárias forrageiras carregam um peso adicional, gastando assim mais energia e tempo. Assim parece que o comportamento de carona evoluiu como um mecanismo de defesa, tanto contra potenciais contaminantes do fungo quanto como defesa contra parasitóides da formiga.

Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Atta; comportamento defensivo; ingestão de seiva.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006