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C. Ciências Biológicas - 7. Fisiologia - 5. Fisiologia
EFEITO DA DISSOCIAÇÃO DO RITMO CIRCADIANO DE ATIVIDADE LOCOMOTORA SOBRE A MEMÓRIA
Breno Tércio Santos Carneiro 1
Sebastião Pacheco Duque Neto 1
John Fontenele Araújo 1
(1. Departamento de Fisiologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte / UFRN)
INTRODUÇÃO:
A expressão de ritmos é observada em todos os sistemas biológicos, desde bactérias até os mais complexos organismos. Os mamíferos em geral apresentam ritmos de diversas naturezas, tais como de reprodução, de sono-vigília, de atividade locomotora. Este último é focado no presente estudo. Em condições naturais ou seminaturais, o padrão de atividade locomotora está concentrado em determinada fase do dia. Animais noturnos concentram sua atividade durante a fase de escuro, animais diurnos concentram a atividade durante a fase de claro e animais denominados crepusculares concentram a atividade nos momentos de transição entre claro-escuro e escuro-claro. Em ratos, mantidos em laboratório sob ciclo claro-escuro simétrico de 22 horas, é observada a dissociação do ritmo de atividade locomotora em dois componentes, um sincronizado ao claro-escuro e outro que segue um período maior do que 22 horas (ritmo em livre-curso) (Díez-Noguera, 1998). Os núcleos supraquiasmáticos, localizados acima do quiasma óptico e lateralmente ao terceiro ventrículo no hipotálamo, têm sido descritos como as estruturas principais do sistema de temporização dos mamíferos (Ralph, 1990 e 1995). A hipótese para explicar o fenômeno da dissociação é a de que sob a condição de ciclo claro-escuro de 22 horas há o desacoplamento ou a quebra da ligação entre duas regiões distintas que formam os núcleos supraquiasmáticos, a região ventrolateral e a região dorsomedial. A região ventrolateral é a região que recebe informações luminosas provenientes da retina, logo, seria esta a região que gera o ritmo sincronizado à luz. A região dorsomedial, sem a informação luminosa proveniente da região ventrolateral, estaria gerando um ritmo não sincronizado à luz (ritmo em livre-curso). Esta hipótese é sustentada por um trabalho realizado por Horacio de la Iglesia e colaboradores (2004), onde é analisada a expressão de “genes do relógio” (Per e Bmal) nos núcleos supraquiasmáticos de animais sob a condição de dissociação. Os resultados mostram que as duas regiões dos núcleos expressam os genes independentemente uma da outra. Isto corrobora com a hipótese de que realmente a dissociação é a “quebra” da ligação entre estas duas regiões. O fenômeno da dissociação observado em ratos caracteriza-se pela perturbação do sistema de temporização circadiano. Este fato nos permite fazer uma comparação com humanos que têm seu sistema de temporização e a organização de seus ritmos perturbados (dessincronização interna), seja por viagens transmeridianas (jet lag), esquemas de trabalho em turno ou noturno. Sendo assim, o modelo de dissociação está sendo proposto para o estudo da dessincronização interna. O objetivo deste trabalho é avaliar os efeitos da dissociação do ritmo de atividade locomotora na memória.
METODOLOGIA:
Foram utilizados 20 ratos albinos adultos com idade entre 5 e 6 meses. Os animais foram divididos aleatoriamente em dois grupos: Controle, T24 (n = 8), mantido sob iluminação de 12 horas de claro e 12 horas de escuro (CE 12:12) e Experimental, T22 (n = 12), mantido sob iluminação de 11 horas de claro e 11 horas de escuro (CE 11:11). Ambos os grupos dispunham de água e comida à vontade. O grupo T24 foi mantido em número de dois por gaiola enquanto que no grupo T22 oito animais foram mantidos em duplas e quatro animais foram mantidos sozinhos. Todas as gaiolas foram alocadas dentro de módulos de madeira, isolados de interferências externas. A atividade locomotora foi monitorada constantemente através de um sistema sensores infravermelho. A informação do sensor era transmitida a um computador onde a atividade do animal era contabilizada a cada cinco minutos. Todos os animais em T22 apresentaram dissociação do ritmo de atividade locomotora com períodos de 1320min e 1440min. A atividade exploratória foi avaliada através do teste de campo aberto, realizado em duas sessões de cinco minutos com intervalo de 22 ou 24 horas. A memória foi avaliada utilizando-se dois testes: Esquiva passiva – “step-down” – e Reconhecimento de objetos. No procedimento de esquiva passiva o animal é colocado sobre uma plataforma de madeira no interior da caixa de esquiva durante 5 minutos, recebendo um choque elétrico (0.5 mA) nas patas cada vez que desce da plataforma – Treino. Os testes (sem choque) são realizados 30 minutos e 22 ou 24 horas após o treino, para avaliar Memória de Curto Prazo (MCP) e Memória de Longo Prazo (MLP), respectivamente. Neste teste é avaliada a latência para o animal descer da plataforma. No procedimento de Reconhecimento de objetos de duração de 5 minutos, o animal é colocado no campo aberto na presença de dois objetos idênticos designados A1 e A2, localizados lado-a-lado – Treino. No teste 1, 1h 30min após o treino, é colocado um novo objeto, B, no lugar de um dos objetos idênticos, para avaliar MCP. No teste 2, para MLP, 22 ou 24 horas após o treino, da mesma forma que no teste 1, é colocado um novo objeto, C, diferente de A e de B. No Reconhecimento de objetos é quantificado a freqüência de contatos e o tempo que o indivíduo explora cada um dos objetos. Diz-se que o indivíduo apresentou bom desempenho quando a exploração do novo objeto (B ou C) é significativamente maior que a exploração do objeto já conhecido (A). Todas as sessões de testes foram realizadas no meio da fase de atividade.
RESULTADOS:
Todos os animais sob T22 apresentaram dissociação do ritmo circadiano de atividade locomotora. No teste de campo aberto, os animais com dissociação do ritmo de atividade locomotora apresentaram, na primeira sessão, maior exploração dos quadrantes periféricos (Teste t-student, p = 0.000) e dos quadrantes centrais (p = 0,001) em comparação com o grupo controle. Na segunda sessão, houve diferença apenas com relação aos quadrantes centrais (Teste t-student, p = 0.004), onde novamente os animais dissociados exploraram mais do que os animais controle. No teste de esquiva passiva, o grupo T22 apresentou desempenho ruim para memória de curto prazo quando comparados com o grupo T24 (Kruskal Wallis test, p = 0.006). No teste de memória de longo prazo, o grupo T22 apresentou desempenho inferior ao grupo T24, porém essa diferença não foi estatisticamente significativa (Kruskal Wallis test, p = 0.115). O desempenho de ambos os grupos, T22 e T24, foi semelhante para todas as etapas do teste de reconhecimento de objetos. No treino, ambos os grupos exploraram os objetos A1 e A2 de forma equivalente. Ambos os grupos, no teste 1, exploraram significativamente mais o novo objeto (B) em comparação com o objeto A (Teste t-student), já conhecido durante o treino. No teste 2, o desempenho foi ruim para ambos os grupos, os animais não reconheceram o novo objeto. Além do tempo e da freqüência de contatos quantificados neste teste, usa-se também um índice de reconhecimento (IR), que é a razão entre o tempo de exploração do novo objeto dividido pela soma do tempo de exploração de ambos os objetos. Um índice próximo do valor 1, significa que o animal reconheceu o novo objeto.
CONCLUSÕES:
A diferença encontrada entre os grupos no teste de campo aberto indica que os animais dissociados apresentam maior atividade exploratória. Porém esta não teve relação com o desempenho ruim destes animais no teste de esquiva passiva. O sistema de temporização circadiana, no qual inserem-se os núcleos supraquiasmáticos como estruturas principais, é responsável pela manutenção de diversas funções fisiológicas que flutuam durante as 24 horas do dia. Por conseguinte, o funcionamento dos sistemas de memória estaria, de alguma forma, subordinado ao sistema de temporização. Estando o sistema de temporização circadiana de alguma forma perturbado como no caso da dissociação, outros sistemas dependentes deste, tais como os sistemas de memória poderiam estar sofrendo algum tipo de influência. O desempenho ruim dos animais dissociados no teste de esquiva passiva, no qual está presente o componente emocional medo, pode ser explicado por tal perturbação, onde a função de memória estaria prejudicada. Porém este fato não ocorre no teste de reconhecimento de objetos. Uma indicação de que este tipo de memória não é afetado pelo sistema de temporização.
Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Norte (FAPERN)
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Ritmo Circadiano; Dissociação; Memória.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006