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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 6. Lingüística

MANIFESTAÇÕES DISCURSIVAS DA ESTRUTURA ARGUMENTAL DOS VERBOS DE AÇÃO-PROCESSO

Nedja Lima de Lucena 1
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
INTRODUÇÃO:

Orientado pelo quadro teórico da Lingüística Funcional, este projeto de pesquisa tem como objetivo geral analisar as tendências de configuração argumental dos verbos transitivos no português contemporâneo. Após o levantamento das ocorrências desses verbos no corpus sob investigação, procedemos à sua classificação de acordo com o tipo semântico que representam: ação, processo e ação-processo. Interessa-nos descobrir os fatores pragmático-discursivos que fazem com que um verbo lexicalmente transitivo se comporte textualmente como intransitivo. Este trabalho se concentra nos verbos que representam o tipo semântico ação-processo, ou seja, os verbos que expressam uma mudança de estado ou condição do argumento objeto-paciente a partir da atividade do argumento sujeito-agente. Nosso objetivo específico é observar, por um lado, se esse tipo de verbo apresenta, no discurso, uma única estrutura argumental e, por outro lado, se os seus argumentos desempenham os papéis semânticos previstos, o de agente e o de paciente.

 

 

METODOLOGIA:

Os dados analisados foram recolhidos do Corpus Discurso & Gramática: a língua falada e escrita na cidade do Natal (Furtado da Cunha, 1998), que compreende textos orais e escritos de diferentes gêneros produzidos por estudantes do último ano do ensino superior. Obtivemos um total de 3468 orações. Fez-se a codificação dos dados por tipo sintático e semântico.

RESULTADOS:

A codificação semântica dos dados comprova alguns aspectos discutidos no Grupo de Estudos Discurso & Gramática em relação à estrutura argumental. Os verbos encontrados nos diversos tipos de estrutura argumental foram classificados em categorias distintas de acordo com sua relação com seus argumentos (verbos de ação, processo e ação-processo).
Diferentemente da codificação sintática, essa se baseia no papel semântico que os argumentos desempenham com relação ao seu predicado: o sujeito pode ser agente ou experienciador, enquanto que o objeto, o resultado da ação ou experiência do sujeito.
Embora os verbos transitivos, comumente, envolvam dois argumentos (sujeito e objeto), constatou-se, nos dados coletados, que o falante do português tem a tendência de suprimir um deles, geralmente o sujeito transitivo, que já havia sido citado anteriormente. Nesses casos, há uma tendência para que o argumento-sujeito somente seja explicitado quando é introduzido  um novo referente no discurso.
 Enfocando especialmente os verbos de ação-processo é possível comprovar algumas tendências do português do Brasil. Em primeiro lugar, “argumentos que servem de suporte a certos papéis semânticos regularmente se associam com expressões sintáticas particulares, por meio de regras de ligação” (Du Bois, et al.
Preferred argument structure: grammar as architecture for function. Amsterdam: John Benjamins, 2003). Em construções com verbos de ação-processo, freqüentemente ocorre um Sintagma Preposicionado, Exemplos:

1."quando eu tiro a pizza do forno..." (Corpus D&G, p. 48)
2."então essa posta de peixe eu coloco num prato específico pra peixe..." (Corpus D&G, p. 61)

Em ambos os exemplos, o Sintagma Preposicionado exerce função de Adjunto Adverbial de Lugar, mas principalmente completa a rede semântica entre o verbo e seus argumentos.

CONCLUSÕES:

Através da codificação dos dados, é possível comprovar que a determinação da estrutura argumental se faz na perspectiva do uso/usuário da língua. No caso do português, uma língua de ordenação SVO (Sujeito-Verbo-Objeto), essas categorias não são estáticas, e sim apresentam manifestações variadas e complexas. É a partir dessas manifestações que se tentam definir os padrões de organização que caracterizam um dado verbo ou predicado. Quanto à transitividade verbal, ela não se restringe particularmente ao verbo, mas abarca o número de participantes, e mesmo quando um sujeito não é explícito, mas pode ser recuperado, é notável a marca da transitividade. Foi possível também comprovar que diferenças semânticas podem estar presentes em um mesmo tipo de estrutura sintática, ou seja, os argumentos de um mesmo verbo podem desempenhar papéis semânticos distintos, conforme os exemplos:

3."eu passo a vida inteira levando tudo na brincadeira..." (Corpus D&G. p. 51)
4."passo ele [ o peixe] na farinha de trigo..." (Corpus D&G, p. 60)

No exemplo 3, o verbo de processo passar ocorre com sujeito experienciador; já no exemplo 4, o sujeito de passar é agente-causador, uma vez que provoca a ação que desempenhará a mudança no argumento objeto, nesse caso, o peixe.
Geralmente, nas narrativas ocorrem verbos de ação, ação-processo e cognição. As descrições ou relatos de opinião, em sua maioria, apresentam verbos indicadores de processo e estado.
A codificação dos dados tem mostrado que há uma estreita relação entre o verbo e seus argumentos, e que o usuário da língua se apropria de estruturas argumentais distintas, complexas ou não, organizando-as de formas diferentes. Contudo, através da freqüência de algumas delas, é possível constituir um repertório de estruturas previsíveis e estáveis, nas quais se percebe uma simbiose entre sintaxe, semântica e pragmática.

Instituição de fomento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Estrutura argumental; Transitividade; Papéis semânticos.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006