A escassez de água como conseqüência de secas ainda é polemizada neste início de século, sendo uma temática que toma novos sentidos na medida em que se consubstanciam novos discursos e novas práticas políticas. Esse estudo permitirá verificarmos a consubstanciação de um novo discurso a partir dos debates globais sobre os usos dos recursos hídricos em que foram agregados modelos inovadores de gestão política. Desse modo, insere-se no plano retórico político a distribuição de água através de ações voltadas à construção de adutoras, canais e perenização de rios.

Pensamos, a partir do que foi dito acima, duas perspectivas sobre água no semi-árido paraibano. De um lado, há abundância e de outro há escassez. Sobre abundância, Furtado diz que “(...) a água que chega ao mar é muita, e há muita água subtilizada”. (FURTADO. 1998, pág.43). Entretanto, como é do conhecimento de todos, o Nordeste brasileiro, e sobretudo a porção semi-árida dessa região é tida como associada a área de escassez de água. Realmente, há regiões concentradoras de água no semi-árido, enquanto outras sofrem a sua ausência, principalmente, em áreas de população mais pobre. São justamente nas áreas mais pobres do semi-árido em que os efeitos das secas periódicas, mostram-se avassaladores. As políticas públicas comuns na região não voltaram-se prioritariamente ao abastecimento das áreas mais afetadas com as secas. Porém, confirmamos que atualmente estão em pleno funcionamento as adutoras que transportam águas de regiões concentradoras para as de carência hídrica.

A pesquisa pode ser justificada pelo fato de que não basta no estudo de recursos hídricos numa região como a nossa, fazer uma simplória relação entre oferta e demanda, mas evidenciar como a oferta e a distribuição eqüitativa deste recurso podem potencializar esta região, sobretudo aquela de maior concentração demográfica, a ponto de não sofrer com os efeitos climáticos. Com isso, concordamos com Rebouças que

(...) a avaliação do problema da água de uma determinada região já não pode se restringir ao simples balanço entre oferta e demanda. Deve abranger também os inter-relacionamentos entre os seus recursos hídricos com as demais peculiaridades geoambientais e sócio-culturais, tendo em vista alcançar e garantir a qualidade de vida da sociedade, a qualidade do desenvolvimento sócio-econômico e a conservação das suas reservas de capital ecológico. (REBOUÇAS, pág.:127, 1992.)

A utilização de nossos materiais e métodos foi pensada a partir da real situação das ações governamentais voltadas a distribuição e a produção de água na Paraíba que, como é sabido por todos, são frutos de intensas lutas sociais e políticas. Contudo, nossa referência temporal corresponde aos últimos 07 (sete) anos. Esta escolha deve-se ao fato da emancipação deste Município ter ocorrido no referido período.

Além das questões já citadas, foi de relevância na construção de nossa trilha de métodos e materiais, a instauração da política de gestão territorial dos recursos hídricos nos Estados Brasileiros, tendo como proeminência a execução de grandes projetos hídricos no semi-árido paraibano, como a construção de adutoras e canais, assim como também o prosseguimento dos projetos de açudagem.

As análises partiram do processo temporal envolvendo os diferentes momentos e prioridades das políticas hídricas estaduais, que correspondeu: estudos comparativos de informações censitárias coletadas junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); e pesquisa local por meio de coleta de dados junto a população de São Bentinho. Os dados foram colhidos por meio de amostragem de domicílios, corresponderam a 5% da população total do Município.

A descrição dos dados foi de extrema relevância para a interpretação dos resultados. Por meio destes foi possível comprovar e rejeitar as hipóteses que sustentam esta pesquisa.

Pensamos a descrição de acordo com as seguintes fases: 1) pesquisa de laboratório e de campo; e 2) tabulação e descrição de dados.

A primeira consistiu nos trabalhos de pesquisas em laboratório e campo que por meio de amostragem obtivemos informações quanto aos perfis sócio-econômicos definidos na metodologia desse trabalho. A coleta de dados estabeleceu-se em duas fases: 1) estudo de laboratório: foram desenvolvidos estudos censitários, considerando o período de emancipação municipal para efeito comparativo com as informações atuais; 2) estudo de campo: para obtermos informações quantitativas e qualitativas nos órgãos públicos do Governo do Estado da Paraíba: SEMARH/PB e CAGEPA. A coleta de dados foi aplicada também à população, através da aplicação de questionários e entrevistas. A aplicação dos questionários se deu forma aleatória, utilizando-se 30 (trinta) unidades As entrevistas foram realizadas com cidadãos que formam a atual cúpula da administração Municipal de São Bentinho.

Na segunda, Tabulação e a discrição de dados foram obtidas as informações com a aplicação dos questionários. A tabulação é composta por quadros, gráficos e tabelas em que se encontram os dados coletados.

Durante um ano desenvolvemos trabalhos de pesquisa de campo e de laboratório a fim de encontrarmos respostas das questões que motivaram o nosso interesse pelo tema estudado.

Os resultados desse estudo apontam para uma mudança significativa das políticas hídricas, pois agora a maior parte das ações voltam-se a distribuição de água no Nordeste

Como podemos observar, a qualidade de vida da população local tem melhorado. Isso pode ser confirmado com os dados contidos no quadro I abaixo, que traz informações quanto aos indicadores de qualidade de vida e infra-estrutura residencial dos informantes.

Comprovamos ainda que os citadinos da zona urbana do Município de São Bentinho dispõem dos benefícios necessários para uma vida melhor. Podemos atestar os benefícios para a maioria da população urbana no quadro II, que traz informações sobre os serviços públicos prestados na rua dos informantes. A conservação do capital ecológico também é considerada relevante nesta pesquisa, pois por meio desta preocupação podemos analisar a construção do Sistema Adutor como uma obra de grande porte, mas que segundo denúncias, não houve o cumprimento dos requisitos necessários à conservação do meio ambiente, uma vez que não prestaram os devidos esclarecimentos à população local sobre os impactos ambientais desta obra. Não houve também a preocupação com programas educativos para a população, pois continuam sendo lançados lixos, animais mortos e produtos de uso agrícola (agrotóxicos) no rio Piancó, segundo informações prestadas pelos Secretários de Agricultura, Saúde, Educação e Prefeito. Na cidade ainda existem esgotos a céu aberto, o que nos faz ver que o sistema de esgotamento sanitário não se dinamizou da mesma forma que o sistema distribuição de água. A distribuição cobre mais de 90% da população urbana (ver quadro III) e a pavimentação atende a mais de 90% da área urbana. Segundo informações cedidas pela Prefeitura faltam apenas 3 ou 4 ruas a serem pavimentadas. O assistencialismo é imperativo no novo modelo de políticas hídricas na região semi-árida. Mesmo com a construção de sistemas de adução de água e conseqüente distribuição para a população das áreas urbanas, podemos observar que no Município estudado, a inadimplência no pagamento da taxa de água para a CAGEPA é significativa. Muitos não tendo recursos para prestação de conta dos seus débitos, solicitam ajuda ao poder público municipal. Podemos observar que em São Bentinho há casos em que as populações não pagam em dia suas contas de água (ver quadro IV e Gráfico I que trazem informações sobre o pagamento dessas taxas). O Prefeito Francisco Carreiro afirmou em conversa que quitou alguns débitos de usuários de água da CAGEPA, alegando que se não fizesse isto essas pessoas ficariam sem água para beber. Em nossos estudos foi possível observar que estão acontecendo algumas mudanças na forma de atuação das elites políticas. Antes estas assaltavam as instituições para angariar os recursos, e hoje suas estratégias voltam-se a captura dos projetos de desenvolvimento local. Percebemos que o programa que envolve a construção de sistema adutor faz parte de uma agenda de projetos que visam o desenvolvimento local. Nesse sentido, as novas estratégias políticas para obtenção de vantagens parte da distribuição de água para a população em geral que está sendo propiciada pelo sistema adutor. Essa prática tem possibilitado conquistas políticas locais e estaduais. Em São Bentinho percebemos permanência das estruturas de poder desde o momento da emancipação do Município. A população urbana beneficiou-se do Sistema Adutor, pois há a garantia de fornecimento de água durante o ano inteiro, pois o acesso à água em quantidade e qualidade é um direito de todos os cidadãos. Entretanto, há quem usa politicamente os direitos do cidadão para obtenção de vantagens políticas, ou seja, a permanência no poder. A zona rural ainda permanece vivendo na mesma situação de outrora, ou seja, em momentos de seca fica sem abastecimento de água e de alimentos. Isso demonstra não só a mudança do objeto do discurso – passagem da seca à água, mas a permanência de seus objetivos – vantagens políticas e manutenção das estruturas de poder. O nosso trabalho aponta não só para as políticas voltadas ao represamento de água e das vantagens políticas obtidas, mas nota-se as ações no sentido de dotar as áreas mais carentes de recursos hídricos de uma infra-estrutura espacial que integra regiões carentes com as concentradoras desse recurso. Observamos então a busca pela equidade territorial na distribuição de água na região semi-árida. Contudo, as vantagens políticas ainda são notórias.

Com o final deste ano de trabalho concluímos que o principal impacto ocorrido no Município de São Bentinho foi a ampliação da rede de água canalizada distribuída pela CAGEPA, atendendo mais de 90% dos citadinos da zona urbana (ver quadro IV). Os demais fatores que indicam desenvolvimento municipal estão mais relacionados à emancipação do que com a distribuição de recursos hídricos na sede municipal.

Os nossos agradecimentos aos órgãos de incentivo a pesquisa: CNPq/UFCG/PRPG/PIBIC, pela valiosa oportunidade cedida aos alunos (pesquisadores) iniciantes.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

FURTADO, Celso.  Seca e Poder: entrevista com Celso Furtado / entrevistadores Maria da Conceição Tavares, Manoel Correia de Andrade e Raimundo Pereira – SP: Fundação Perseu Abramo, 1998.

REBOUÇAS, Aldo C. Água na região Nordeste: desperdício e escassez. Estudos Avançados - USP,11 (29), 1997. p.127-154.

LAKATOS, E.M. & MARCONI, M. de A. Metodologia do trabalho cientifico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicação e trabalho cientifico / Eva Maria Lakatos, Mariana de Andrade Marconi. 4.ed. São Paulo: Atlas, 1992Z