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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 4. Direito Constitucional

INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ DE FETO ANENCEFÁLICO: UMA ANÁLISE CONSTITUCIONAL

Maíra Costa Fernandes 1
(1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO/UFRJ)
INTRODUÇÃO:

Objetivou-se analisar a problemática em torno da interrupção da gravidez de fetos portadores de anencefalia (má-formação fetal incompatível com a vida extra-uterina). Pretendeu-se através deste estudo desenvolver acurada pesquisa, capaz de levantar dados empíricos, estatísticas, quadros comparativos, jurisprudência e doutrina, a fim de fomentar o debate e fornecer elementos para a discussão do tema, indubitavelmente atual e controverso. O assunto de fato envolve princípios basilares do Direito, apresentando incomensurável relevância social e interesse coletivo. Direito à vida e à saúde, dignidade da pessoa humana, direitos da personalidade, princípio da legalidade, liberdade e autonomia da vontade foram alguns dos pontos levantados nesse debate. Compreendeu-se a questão sob o aspecto jurídico, com aportes médicos, bioéticos e filosóficos. Atribuiu-se destaque ao Direito Comparado, examinando-se as decisões proferidas em matéria de aborto, pelos Tribunais Constitucionais de diversos países. Aproveitando-se a questão posta perante o Supremo Tribunal Federal, em 2004 e 2005, foram analisados os argumentos que gravitam em torno do assunto, levando-se em conta o momento constitucional brasileiro. Ao longo do estudo, foram pontuados os tratados internacionais sobre direitos sexuais e reprodutivos dos quais o Brasil é signatário, que representam instrumentos indispensáveis para a elucidação do problema à luz da teoria dos direitos humanos e dos direitos fundamentais.

METODOLOGIA:

Na elaboração da pesquisa foi utilizada abordagem predominantemente de natureza teórica. Para a adequada compreensão das questões médicas relativas à delimitação do objeto de estudo (anencefalia fetal), realizou-se entrevistas com especialistas na área e visitou-se instalações hospitalares com o fito de se obter informações e bibliografia típicos da literatura da medicina. Procedeu-se, ainda, à pesquisa em bibliotecas e na Internet acerca da jurisprudência e da doutrina do Direito Comparado e do Direito Internacional (Tratados e Convenções), para se aferir o tratamento da questão pelos principais tribunais constitucionais de alhures. Em investigação na jurisprudência já produzida pelo Supremo Tribunal Federal e pelos órgãos jurisdicionais inferiores, cotejou-se a abordagem conferida ao tema, o que inclui aspectos tanto técnicos processuais quanto meritórios substanciais. Na doutrina jurídica, filosófica, médica e bioética – estrangeira e nacional – encontrou-se argumentos fundados em diversos direitos e princípios (delimitados pela idéia de razão pública), que se fazem necessários para a devida contextualização e o adequado deslinde do debate. Assim, por meio dos métodos indutivo, comparativo e dialético, procedeu-se à exposição do tema e à sua análise nos termos das balizas acima propostas, com o desiderato de apresentar ao final uma série de elementos a serem necessariamente levados em conta em qualquer abordagem jurídica dessa questão.

RESULTADOS:
  • Com amparo na doutrina médica, chegou-se à definição segundo a qual a anencefalia é uma má-formação fetal incompatível com a vida extra-uterina, pela qual o feto não desenvolve hemisférios cerebrais e o córtex em decorrência de uma falha no tubo neural.
  • O estudo do Direito Comparado demonstrou que há uma forte tendência descriminalizante e liberalizante do aborto, sobretudo nos países europeus. As decisões em geral pautam-se na defesa dos direitos fundamentais das gestantes mas não desconsideram a proteção constitucional atribuída ao nascituro (direito à vida). Geralmente, realiza-se uma ponderação entre tais direitos e uma gradação à proteção atribuída à vida embrionária, que aumenta na medida do desenvolvimento fetal.
  • Há farta jurisprudência no Brasil, desde os anos 90, autorizando a interrupção da gravidez nestes casos, e.g. os alvarás judiciais expedidos pelo Ministério Público do DF. Cabe agora ao STF, através da ADPF nº 54, analisar a questão sob o prisma do Direito Constitucional (transpondo-se ao Direito Penal), enfoque diverso dos anteriormente atribuídos às demandas que tramitavam no Tribunal do Júri e nas Varas Criminais.
  •  São prévios à análise da questão: a laicidade do Estado e as razões públicas.
  •  Argumentos de ordem constitucional e moral: direito à vida, à saúde, à integridade física e moral, à privacidade e à igualdade; dignidade da pessoa humana, possibilidade de transplantes de fetos anencefálicos e a configuração ou não de aborto eugênico.
CONCLUSÕES:

Concluiu-se que a gravidez de feto anencefálico possui a particularidade de consistir em uma total ausência de expectativa de vida, uma não-vida. O feto só sobrevive às custas da gestante e, ao nascer, inevitavelmente morre. Recorrendo às definições médicas de morte, tem-se que ela não mais significa ausência de todos os sentidos, funções, necessariamente com a parada cardio-respiratória, como outrora se entendia. Não se questiona, já há algum tempo, o conceito de morte cerebral, que permitiu a retirada de órgãos para transplante, em muito semelhante ao quadro de anencefalia. Assim, diante dos argumentos apresentados, sobretudo os de direitos fundamentais e humanos, concluiu-se pela inadequação da hipótese de interrupção da gravidez de feto anencefálico à norma penal que criminaliza o aborto. Tal determinação legal, datada de 1940, não poderia prever o diagnóstico de anomalias desse tipo, simplesmente porque não havia então os meios científicos e tecnológicos desenvolvidos para esse fim. Assim, conclui-se que, sob o aspecto jurídico, o caso merece uma interpretação conforme a Constituição, de maneira a que sejam afastadas, do âmbito interpretativo das referidas normas penais, quaisquer hipóteses envolvendo interrupções de gravidez de feto anencefálico, em respeito aos direitos fundamentais da gestante e à sua autonomia sexual e reprodutiva, eis que, comprovadamente, resguardados pela Constituição e pelos regulamentos jurídicos norteadores da sociedade brasileira.

Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Aborto; Anencefalia; Direitos Fundamentais.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006