IMPRIMIR VOLTAR
G. Ciências Humanas - 5. História - 8. História Regional do Brasil

ARTES DO (SOBRE)VIVER, ARTES DO PEDIR: OS NEGROS DO RIACHO E A PRÁTICA DA MENDICÂNCIA

Joelma Tito da Silva 1
Joel Carlos de Souza Andrade 1
(1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
INTRODUÇÃO:

Este trabalho, vinculado ao projeto de pesquisa “Negros do Riacho: estudos histórico-culturais de uma comunidade no Seridó potiguar”, analisa as práticas cotidianas e nomeações em torno de um grupo afro-descendente, localizado Riacho dos Angicos, zona rural do município de Currais Novos/RN. A comunidade teria se estabelecido por aquela área na segunda metade do século XIX, quando o ex-escravo Trajano Lopes da Silva e familiares teriam se apossado das terras do Riacho e constituído laços de parentesco com negros oriundos de outros lugares. Essa configuração, baseada no vínculo familiar deixou descendentes e corroborou para a identificação daquele espaço em torno do grupo. No Seridó potiguar, legitimado historiograficamente como branco e caboclo, a formação de uma comunidade rural, vinculada à experiência negra, com lógicas singulares, concorre para a construção histórica do “outro”. Assim, a pesquisa é relevante por suscitar o debate acadêmico acerca das experiências de agrupamentos negros no RN, além de contribuir para o debate acerca das práticas cotidianas de comunidades rurais de afro-descentes, marcadas pela exclusão social. Esse estudo objetiva refletir sobre os dispositivos de padronização cultural, partindo das estratégias discursivas da Igreja, do poder público, das vozes subjetivadas na cidade, identificando nas experiências cotidianas vivenciadas no Riacho formas táticas de burlar o discurso instituído a partir de práticas como a mendicância.

METODOLOGIA:

A realização desse projeto de pesquisa esteve pontuado pelo objetivo de realizar uma descrição densa, observar, anotar e interpretar experiências vividas, códigos sociais e culturais inseridos no cotidiano dos negros do Riacho, percebendo nos enunciados sentidos e contextos, interpretando sinais tecidos em vivências diárias dentro e fora do grupo. Assim, as orientações teórico/metodológicas que compuseram a construção operatória da “paisagem de pesquisa” estiveram pontuadas pela noção descrição densa, presente em Clifford Geertz, na análise do cotidiano proposta por Michel de Certeau e nas discursões acerca da memória narrativa e performática. Esses conceitos possibilitaram o desenvolvimento do trabalho empírico, a comunidade enquanto um texto dito e escrito. Nesse percurso utilizamos como metodologia de pesquisa a historia oral, o trabalho de campo, os documentos oficiais e as fontes hemerográficas. O grupo é visibilizado interna e externamente em um jogo multiforme de versões presentes na memória oral, nas obras acadêmicas, em jornais, revistas e documentos oficiais. Fontes importantes para o estudo da comunidade enquanto lugar de disputa.

RESULTADOS:
A pesquisa verificou que os negros do Riacho estão inseridos em redes discursivas que objetivam padronizar e tornar inteligível suas experiências na linguagem da cidade, da igreja, do poder público e da academia. A comunidade torna-se um espaço de disputa no campo discursivo que os define enquanto “ociosos”, “bêbados”, “festeiros”, imagem viva do museu da escravidão local, “miseráveis”, “famintos”, moralmente diferenciados, “desorganizados”, “espertos”, “fechados”, “primitivos”. Entre essas representações discursivas o conceito de “miséria” constitui-se enquanto enunciado presente nos diversas narrativas em torno da comunidade, sendo assumida interna e externamente. Assim, o discurso da pobreza e da mendicância é enfatizado para legitimar a imagem depreciativa do “ócio”, nomeando os membros do grupo enquanto preguiçosos por pressupor a ausência de trabalho; a idéia romântica do homem humilde que necessita de ajuda e “dignidade”, versão que justifica a atuação da igreja e do Estado. Essas versões dialogam com as (re)significações que o grupo elabora acerca da noção de pobreza, utilizando-a como tática de sobrevivência e articulada as artes cotidianas do fraco em dar golpes de astúcia no forte, jogando com os enunciados de carência material para estabelecer formas de convencimento, a partir das artes de pedir e sensibilizar o outro para conseguir o bem almejado.
CONCLUSÕES:

A guisa de conclusão pode-se inferir que a atividade de pesquisa possibilitou a análise dos negros do Riacho enquanto corpo erotizado, no qual se inscrevem enunciações polimorfas, cujo objetivo é normatizar as práticas singulares da comunidade a partir da lógica do “próprio”. Essas estratégias discursivas são desautorizadas nas operações cotidianas que se inscreve em práticas como a mendicância, na arte de pedir, construindo enunciados que visam sensibilizar o outro para barganhar bens materiais. Assim, os negros do Riacho articulam uma lógica de sobrevivência, burlado no cotidiano as tentativas de padronização, reafirmando as suas particularidades, pelo olhar, pelo morar, pelo viver, pelo fazer de homens ordinários, marginais. Lutando a favor dos instantes que o tempo oferece, aproveitando ocasiões para dar seus golpes de astúcia em troca da sobrevivência. Tais jogadas estão claras no fazer que incide no ato de pedir esmolas nas ruas de Currais Novos, no comércio ou a algum estranho ou não que penetra na comunidade, envolve formas, artes, traquejos com a fala, maneiras de convencer.

Instituição de fomento: Universidade Federal do Rio Grande do Norte e CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Negros do Riacho; Mendicancia; Cotidiano.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006