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F. Ciências Sociais Aplicadas - 6. Planejamento Urbano e Regional - 1. Fundamentos do Planejamento Urbano e Regional
UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA FORMAÇÃO ESPACIAL DA COMUNIDADE DO MONT SERRAT - MACIÇO CENTRAL DE FLORIANÓPOLIS
Margareth de Castro Afeche Pimenta  1
Luis Fugazzola Pimenta 1
Cecília Corrêa Lenzi 1
(1. Depto. de Arquitetura e Urbanismo, Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC)
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa constitui-se em parte integrante do Diagnóstico Sócio-Espacial do Maciço Central de Florianópolis: História, Meio ambiente e Espaços Públicos, que tem como objetivo construir o Plano Comunitário de Urbanização e de Preservação do Maciço Central de Florianópolis. A área selecionada corresponde à comunidade do Mont Serrat, ocupada desde o início do século XX por escravos libertos. Este estudo tem como objetivo principal reconstituir a história do local partindo da significação dada pelos sujeitos que dela participaram. O reconhecimento da própria história é essencial para a formação consciente de um coletivo; a história documentada e oficial de Florianópolis, carregada de interesses comandados por uma elite oligárquica, não contempla a maior parte da população. Sem sua memória presente, uma comunidade perde as referências ideológicas, econômicas e culturais que a originaram, diluindo sua identidade cultural. Este tema ganha força quando se trata de uma comunidade de baixa renda, pois estes habitantes sempre viveram segregados como população pobre e negra, à margem da história documentada e oficial. É, portanto, essencial registrar estas memórias, colaborando para que esta população crie para si oportunidades de se expressar como coletividade dentro da cidade.
METODOLOGIA:
Como instrumento para esta pesquisa, foi utilizada a metodologia de história oral, sendo selecionados para contar suas memórias alguns moradores a partir de critérios qualitativos de inserção na vida coletiva da comunidade. O alto índice de idosos da área selecionada permitiu o mapeamento da evolução histórica do local, aproveitando a interação entre os sujeitos como fonte primeira da pesquisa. As entrevistas foram planejadas através da elaboração de um roteiro geral, único, e de roteiros individuais que abordavam as especificidades de cada sujeito. Os contatos iniciais, como as conversas informais e as primeiras entrevistas, evidenciaram o foco da pesquisa em quatro elementos: a escola básica, a questão da água, a escola de samba e a religiosidade. As conversas foram registradas através de filmagens e fotografias e realizadas na comunidade, em locais escolhidos pelos entrevistados. Os sujeitos que colaboraram foram: Dona Uda - diretora da Escola de Ensino Básico Lúcia do Livramento Mayvorme e líder comunitária -, Dona Classi - cozinheira da mesma escola há 22 anos -, Dona Arlete - envolvida com a religiosidade na comunidade -, Cuca - filha de um dos fundadores da escola de samba Copa Lord - e Dona Angelina - mãe de Dona Uda, uma preciosidade nos seus 87 anos. Procurou-se estabelecer a relação entre a vida comunitária e as relações espaciais daí resultantes.
RESULTADOS:
Os depoimentos são documentos preciosos e singulares, pois constituem a base sobre a qual se faz possível a construção da memória desta comunidade, dentro dos focos eleitos. Dona Angelina, por sua rica e longa vivência, contribuiu com relatos para reconstituir os primeiros passos desta população, pois veio no ano de 1925 e foi uma das primeiras famílias a ocupar o Maciço Central. Dona Uda trouxe contribuição essencial para entendimento do processo que originou a única escola do Maciço, a E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorme, sendo professora desta instituição desde 1963, presenciando, portanto, todas as mudanças ocorridas tanto na estrutura física como na do corpo docente e discente. Dona Classi, vinda para este morro em 1957, cedeu relatos importantes para a compreensão das diferentes realidades na mesma comunidade: quando menina foi pedinte nas ruas do centro. A Escola sempre fez parte de forma direta da sua vida, e é hoje fonte de sustento de sua família. Dona Arlete conta que um umbandista já falecido da comunidade é pai da sua filha, tendo por isso forte contato com esta religião. Cuca desde criança viveu no interior da escola de samba Copa Lord, da qual hoje seus dois filhos também participam. As lutas travadas pela sobrevivência ficam, assim, evidenciadas e fazem parte da constituição dos laços de solidariedade.
CONCLUSÕES:
A partir dos relatos, fontes primárias para o estudo das relações tecidas ao longo da história da comunidade, obteve-se uma clara compreensão do significado que a E.E.B. Lúcia do Livramento Mayvorme possui na comunidade; não exerceu, durante sua história, apenas o ensino, mas também serviu de referência, não apenas no sentido espacial como também moral, sendo respeitada e tendo seu valor reconhecido pelos moradores. A escola de samba, fruto da própria comunidade e, portanto, merecedora de grande respeito, constitui-se num outro pólo aglutinador da sociedade local. Pôde-se observar que a umbanda não foi essencial na formação da comunidade, ao contrário do que se poderia imaginar numa população essencialmente negra. Já a religião católica esteve presente desde a chegada das primeiras famílias e desempenha um papel importante na crença popular. A reconstituição da questão da água permitiu refazer os caminhos e os contatos que se estabeleciam entre as mulheres, que faziam da ida até bica d’água uma possibilidade do encontro, da convivência e da simultaneidade, características essenciais do espaço urbano. Sucessivas ações por inclusão social e pelo acesso a serviços básicos construiram laços de solidariedade  e reforçaram a consciência comunitária.  As relações historicamente estabelecidas conformaram a paisagem tal qual se encontra atualmente; ao mesmo tempo, as transformaçoes sociais e espaciais alteraram a relaçao entre comunidade e recursos naturais, distanciando-os.
 
Palavras-chave: memória urbana; pobreza urbana; espaços públicos.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006