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G. Ciências Humanas - 9. Sociologia - 7. Sociologia

REPRESENTAÇÕES DE VIOLÊNCIA CONTRA MULHER SEGUNDO PROFISSIONAIS QUE ATUAM NO SISTEMA JUDICIÁRIO NOS MUNICÍPIOS DE CHAPECÓ E CONCÓRDIA - SC

Myriam Aldana 1
Silvana Winckler 1
Fabiana Didomênico 2
Jandir Santin 2
Valéria Silvana Faganello Madureira 3
Cláudia Cristine Moro 3
(1. Universidade Comunitária Regional de Chapecó - UNOCHAPECÓ; 2. Grupo de estudos e pesquisa de gênero FOGUEIRA; 3. Universidade do Contestado - UnC/Concórdia)
INTRODUÇÃO:
Esta pesquisa busca identificar as representações de violência contra mulher dos profissionais que atuam no sistema judiciário dos municípios de Chapecó e Concórdia/SC. Essa violência freqüentemente é naturalizada como parte das relações homem/mulher que confirmam, por um lado, a hegemonia do poder masculino e, por outro, a subalternidade feminina baseada na hierarquia de gênero. Ou, então, passa despercebida na reprodução das representações sobre homem/mulher e seus papéis sociais e na invisibilidade da violência disseminada. Por outro lado, as políticas públicas dirigidas às mulheres são pouco conhecidas e demandam trabalho permanente de implantação e ampliação. Nestes municípios o quadro é ainda mais preocupante pela insuficiência de estudos sobre a violência de que são vítimas mulheres de todas as classes sociais e de diagnósticos para embasar as ações institucionais, assim como pela precária capacidade instalada para responder às demandas encaminhadas ao sistema judiciário (Polícia Civil ou “Judiciária” e Poder Judiciário). O trabalho servirá para fundamentar a discussão do tema com estudantes e docentes dos cursos de Direito da região, juízes, promotores de justiça, servidores da justiça e das polícias, no intuito de viabilizar a formação de redes de atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência.
METODOLOGIA:
Adotou-se análise de conteúdo para identificar representações de violência contra mulher entre profissionais do sistema judiciário: magistratura (juízes), ministério público (promotores de justiça) e servidores da polícia civil (delegados e policiais). Realizou-se visita exploratória às delegacias e fóruns de justiça para conhecer as atribuições dos cargos e identificar os discursos mais evidentes, a fim de elaborar o instrumento da entrevista com maior propriedade semântica. Definiu-se essa amostra por serem profissionais que lidam diretamente com a problemática da pesquisa, no sentido da tutela de direitos e proteção às vítimas. O roteiro, com perguntas gerais e análise de ditados populares, objetivou ultrapassar os discursos “oficiais” para identificar a possível naturalização da violência contra mulher nas representações dos entrevistados. Houve preparação conjunta sobre a técnica de entrevista semi-estruturada e elaboração de termo de consentimento informado. As 14 entrevistas, com duração média de 1h30m, foram gravadas, transcritas e analisadas coletivamente tendo como eixo categorias definidas a partir dos objetivos do projeto e das informações coletadas. A análise temática comportou pré-análise, leitura flutuante e definição das seguintes categorias vinculadas às representações: a) naturalização da violência; b) limites legais da intervenção; c) concepções de família; d) identidade da mulher “reduzida a mãe”; e) masculinidade e violência; f) religião e violência.
RESULTADOS:

Constatam-se as seguintes representações: a) A violência contra mulheres é vista pelos agressores como natural, um direito dos homens frente a elas, subordinadas e inferiores. Alguns entrevistados repudiam essa violência e apontam como saídas mudanças na lei e a conquista de autonomia pelas mulheres. Outros condenam a violência, porém culpabilizam as mulheres. As agressões são atribuídas ao alcoolismo, desemprego do parceiro, descontrole, provocação da vítima, inversão nas atribuições tradicionais do casal. b) A denúncia do agressor depende exclusivamente da vontade da vítima em lesões não graves, reiteradas ou não, pois a lei preserva a autonomia e privacidade da família. Os atendimentos se restringem a “aconselhamento”; há distanciamento e desconhecimento entre o sistema judiciário e a rede de serviços de proteção à mulher. c) A família nuclear é o modelo a ser preservado e a mulher é a principal responsável pela sua conservação. d) A mulher é vista como “mãe”, o que impede visualizá-la como sujeito de direito capaz de agir em defesa de sua integridade. e) Características atribuídas à masculinidade hegemônica (chefia e manutenção do lar; liberdade sexual e poder de mando sobre mulher e filhos) estão associadas à violência. O homem é o “disciplinador” da família. f) Embora a não-percepção da relação religião-violência seja majoritária, há também a percepção da religião embutida na cultura machista como causa ou desculpa para o uso da violência “corretiva” contra mulheres.

CONCLUSÕES:

Existe uma grande incompreensão dos entrevistados sobre a naturalização da violência, expressa na invisibilidade produzida por frases repetidas (“perdi o controle”,“ela me faz perder a cabeça”), reconhecidas como válidas e até assumidas pelas próprias mulheres, cujos sentimentos de culpa e vergonha formam um grande obstáculo para revelar a violência que suportam nas suas relações de conjugalidade ou parceria. A lei não considera as disparidades de força e poder na relação homem/mulher e a redução da capacidade de reação das vítimas de violência. Há que desmistificar o argumento da autonomia privada da família, que é complacente com a violência contra mulheres e que leva à impunidade. A falta de conhecimento em relação às poucas instituições de atendimento existentes demonstra a tendência à desvalorização do problema pelo sistema judiciário, evidenciando o desconhecimento da violência de gênero enquanto uma dimensão socialmente construída. Igualdade entre os gêneros, garantia dos direitos das mulheres como direitos humanos e modificações na posição/situação de homens e mulheres na sociedade são questões fundamentais no combate à violência contra a mulher e demandam investimento em educação desde a infância. É necessário desconstruir masculinidades ancoradas em textos de religiões androcêntricas e introjetadas na cultura machista vigente.Os resultados apontam, sobretudo, para a exigência de melhor preparação profissional dos agentes da justiça para lidar com o tema.

Instituição de fomento: Universidade Comunitária Regional de Chapecó - UNOCHAPECÓ/Fundo de Apoio à Pesquisa
 
Palavras-chave: Violência contra mulher; Representações da violência contra mulher; Sistema judiciário e violência contra mulher.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006