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F. Ciências Sociais Aplicadas - 4. Direito - 8. Direito Internacional
O SERVIÇO PÚBLICO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E O ACORDO GERAL SOBRE COMÉRCIO DE SERVIÇOS
Maria Lúcia Navarro Lins Brzezinski 1
Christian Guy Caubet 1, 2
(1. Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina; 2. Orientador)
INTRODUÇÃO:

O Brasil tem aproximadamente 13,8% da água doce do mundo, mas apesar da grande disponibilidade hídrica há brasileiros sem acesso à água potável na quantidade mínima necessária para a sobrevivência. O trabalho analisa o serviço público de abastecimento em um contexto das relações internacionais de liberalização do comércio e de mercantilização da água. Apesar de ser insubstituível, esta substância tem sido tratada como uma mercadoria, como se isso fosse solução para as grandes desigualdades em relação ao acesso à água potável tanto internacionalmente como no interior de cada país. Este contexto internacional se reflete no ordenamento jurídico interno no que se refere ao tratamento dos recursos hídricos e do serviço público de abastecimento que, após a extinção do Plano Nacional de Saneamento (Planasa), não foi objeto de políticas públicas efetivas. Na esteira da crise da água e do desmantelamento do Estado e dos serviços públicos, fortalecem-se os argumentos pela liberalização dos serviços de abastecimento e uma das suas principais fontes é o Acordo Geral sobre Comércio de Serviços (AGCS) negociado no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O acordo impõe obrigações gerais e específicas aos Estados com objetivo de reduzir as restrições ao comércio internacional de serviços e deve produzir efeitos em relação ao serviço público de abastecimento.

METODOLOGIA:

O método aplicado no trabalho é o indutivo, já que se parte de circunstâncias fáticas específicas, como a mercantilização da substância vital água, para abordagem do serviço público de abastecimento e das normas multilaterais para liberalização do comércio. Tanto as normas da OMC quanto a regulamentação do serviço no âmbito interno decorrem de contextos políticos e econômicos que não podem ser ignorados. Como técnica de pesquisa, adotou-se pesquisa bibliográfica e jurisprudencial relativas ao tema. Também foram utilizados documentos de organizações internacionais, do Ministério Meio Ambiente, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e da Agência Nacional de Águas, bem como notícias publicadas nos principais periódicos brasileiros. A exposição do tema segue uma lógica sistêmica, pela qual se busca relacionar diferentes contextos: a água como uma mercadoria, o serviço público de abastecimento no ambiente jurídico, político e econômico brasileiro e o acordo sobre comércio de serviços no âmbito das relações internacionais.

RESULTADOS:
O conjunto de idéias que fundamenta a atribuição de um valor econômico à água e a privatização dos serviços de abastecimento estabeleceu-se como a única solução possível para todos os problemas da humanidade relacionados à substância que é condição de sua existência, a água.  A disseminação destas idéias deu-se não somente com apoio das empresas multinacionais do setor de serviços ambientais, como também com o aval das organizações do sistema das Nações Unidas. Com relação ao serviço de abastecimento, mostram-se relevantes a falta de regulamentação do setor de saneamento após a extinção do Planasa, as tentativas de desestatização e a incerta situação das companhias estaduais de saneamento. Exemplos de concessão de Municípios autônomos e da privatização de companhias em outros países dão os indícios da forma como atua a iniciativa privada no setor de abastecimento de água. A situação do serviço público de abastecimento no Brasil deve sofrer ainda os efeitos das normas multilaterais da OMC, considerando que o AGCS impõe obrigações gerais em relação a todos os setores de serviços e obrigações específicas em relação aos setores e subsetores de serviços objeto de compromissos específicos. De acordo com o princípio da liberalização progressiva, o serviço de abastecimento de água pode ser liberalizado a qualquer tempo, mesmo que atualmente não seja objeto de negociações de compromissos específicos.
CONCLUSÕES:
A mercantilização da água é uma política e ideológica que ignora uma série de outros fatores que devem ser considerados ao se formular uma abordagem para a crise da água, como a necessidade de políticas para prevenção da poluição e contaminação e para conscientização em relação aos usos dos recursos hídricos, levando-se em consideração a imensa diferença entre os padrões de consumo dos ricos e dos pobres; além de excluir o debate a respeito de quais os usos que devem ser priorizados e quais são os que demandam maiores quantidades de água e que deveriam ser penalizados, eventualmente, pela cobrança de um valor. Com relação ao serviço de abastecimento, a campanha pela desestatização deixa de considerar pontos relevantes do Planasa, como o financiamento público das companhias estaduais, a determinação legal a respeito das tarifas conforme o custo do serviço e os subsídios cruzados, que permitiam que as partes lucrativas do serviço subsidiassem as deficitárias. O setor se encontra num ambiente de auto-regulamentação, que deve ser consolidado pelas negociações sobre comércio de serviços no âmbito da OMC. Uma vez concretizadas as negociações no âmbito da OMC sobre serviços ambientais – categoria na qual se inclui o serviço de abastecimento de água - será inviável a instituição de uma política autônoma, autenticamente comprometida com os interesses públicos e nacionais e submetida a controle por meio do exercício da cidadania.
Instituição de fomento: CAPES
 
Palavras-chave: Água ; Serviço público de abastecimento; Comércio de serviços.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006