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H. Artes, Letras e Lingüística - 4. Lingüística - 3. Psicolingüística
A superposição de falas: contra-evidência ao Princípio da Cooperação de Grice
Marcos Mendes 1
(1. Universidade Federal de Santa Catarina)
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho consiste em evidenciar as divergências entre o Princípio da Cooperação de Grice (1980, p. 86-7) e as superposições de fala constatadas nas conversações cotidianas. As evidências são extraídas do corpus do sujeito Pá na 1ª fase (20 meses e 21 dias), contendo 2632 enunciados, cuja transcrição fonética e áudio digitalizado podem ser acessados pelo site:  <http:/childes.psy.cmu.edu/data/Romance/Portugese/florinopolis.zip>. Contrapondo o Princípio da Cooperação, pelo qual o ouvinte sempre busca captar as intenções do interlocutor, bem como entender os enunciados e interagir harmoniosamente durante a comunicação, observa-se muitas vezes a superposição de vozes, demonstrando que o interlocutor é compelido a falar, mais para exteriorizar os seus estados de consciência do que para buscar ser entendido pelo ouvinte. Neste trabalho foram analisadas algumas superposições de vozes constatadas no corpus. Seguem os trechos de Grice que são refutados no presente trabalho: "faça sua contribuição conversacional tal como é requerida, no momento em que ocorre, pelo propósito ou direção do intercâmbio conversacional em que você está engajado...  quantidade (seja informativo como requerido), qualidade (não diga o que você acredita ser falso e não diga senão aquilo para que você possa fornecer evidência adequada), relação (seja relevante) e modo (seja claro)” (Grice, 1980: 86-7).
METODOLOGIA:

Trata-se de uma pesquisa descritiva de dados em aquisição da linguagem, que já estavam codificados pelo programa Childes (MacWHINNEY, 2000) . Os dados empíricos foram extraídos dos enunciados da 1ª fase do sujeito Pá, colhidos em observação naturalística, quando a criança tinha 20 meses e 21 dias. A criança foi gravada em seu apartamento durante 5 horas e os participantes foram a investigadora (SCLIAR-CABRAL, 1977), os pais e, às vezes, a empregada doméstica. Na codificação inicial os dados estavam sem o bullet (atalho para audição do enunciado representado). Meu trabalho consistiu em fatiar a linha do espectrograma correspondente a cada enunciado, apensando o bullet à linha principal, conforme o exemplo abaixo:

 

(1) linhas 5459 a 5462:

           

            *CHI:  qué [>] .

%pho:  'tɛ de'çe

%mor:  v:aux|quer-TV2&IPFVM1 v|desc-TV2&INF .

*MOT:  [<] o talco # pra passar em você .

 

<>

 

Tal recurso permite uma análise mais minuciosa dos enunciados. No exemplo acima, a parte selecionada corresponde às duas falas referidas. Nestas falas observa-se uma superposição da mãe em relação ao sujeito Pá (os enunciados e são ditos simultaneamente). Fazem parte do corpus 1319 enunciados do sujeito Pá e 1313 dos adultos. Foram consideradas superposições entre adultos e entre o sujeito Pá e um ou mais adultos.

 

RESULTADOS:

Num total de 2632 enunciados, houve um total de 305 superposições entre os participantes. Durante a análise das superposições de falas, verificou-se a necessidade clara que os participantes tinham de expressar-se, como pode ser visto no seguinte exemplo:

 

(2) linhas 585 a 587:

*MOT:   [<] ?

*INV:     [>] .

*MOT:       mando ele ,, tá> [<] ?

CONCLUSÕES:
Observa-se que muitas vezes o ouvinte não está centrado no interlocutor, sobressaindo sua necessidade de exteriorizar os pensamentos, o que muitas vezes ocasiona a superposição de falas. Conclui-se, pois, que o Princípio da Cooperação de Grice, nestes casos, é desconfirmado. O falante utiliza, nestes casos, a função expressiva, postulada por Bühler (1985, p. 30-32), isto é, está mais centrado em si mesmo do que no ouvinte.
Instituição de fomento: CNPq
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Grice; superposição de vozes; função expressiva.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006