A sociedade contemporânea é cada vez mais influenciada pelo fenômeno tecnológico. A sociedade em rede trouxe conseqüências em nossas formas de agir, interagir e perceber o mundo social a nossa volta. Entretanto essas mudanças não se fazem de maneira perene e linear. São fruto de tensões e contradições que emergem no seio do próprio mundo social. Nesse sentido é que este trabalho visa investigar as relações entre o desenvolvimento tecnológico, sobretudo a informática, e as formas de propriedade existentes hoje no contexto da Internet. Tal investigação pretende lançar luz sobre a hipótese proposta por Marx acerca da inevitável contradição entre forças produtivas e relações sociais de produção no capitalismo. A hipótese que seguimos é de que as relações sociais de produção, existentes atualmente, começam a dificultar o desenvolvimento das forças produtivas. Pretendemos abordar tal contradição no que diz respeito, especificamente, ao universo da Internet.

Para os fins propostos realizamos vasta investigação bibliográfica sobre o assunto. Realizamos, também, uma espécie de observação participante utilizando a própria Internet para fazer downloads de arquivos que se caracterizam como propriedades intelectuais como músicas, filmes, livros, fotos, a fim de observarmos a facilidade ou não de acesso a tais bens. Realizamos também entrevistas com usuários da Internet, sobretudo freqüentadores das chamadas Lan Houses, com o intuito de analisar as representações sociais desses sujeitos no tocante ao acesso a esses bens. Realizamos também entrevistas com técnicos em informática afim de que detivéssemos uma visão técnica acerca da arquitetura da Internet e sua relação com a livre troca de dados pela rede.

Observamos inicialmente que existe uma grande facilidade na Internet de acesso a bens que podem ser classificados como propriedade intelectual, tais como livros, discografias dos mais variados artistas, filmes, documentários, fotos, etc. Essa facilidade tem gerado mudanças nas formas de propriedade existentes atualmente. O modelo de proteção de direitos autorais hegemonicamente utilizado, o copyrigth, vem sendo contestado por modelos de produção e distribuição geridos cooperativamente. Como exemplos, observamos o surgimento do conceito de copyleft que se baseia numa licença jurídica que garante ao usuário de softwares o livre acesso ao código fonte do programas bem como a liberdade de modificar livremente este código, aperfeiçoando-o, além de garantir, também, o direito de copiar e distribuir o resultado livremente, desde que o resultado também seja licenciado juridicamente através do copyleft. Observamos também o surgimento da licença  Creative Commons que funciona aos moldes do copylef mas abrange um número maior de bens tais como livros, músicas, audiovisuais etc. De maneira geral essas novas formas de normalização jurídica tem como pressuposto comum a filosofia do software livre. Embassados em tal filosofia um grupo de programadores em todos os cantos do planeta, interligados pela Internet, criaram o sistema operacional Linux como uma alternativa a usuários de computador.

As forças produtivas já avançaram muito no âmbito do capitalismo. Assistimos atualmente à realização dos grandes feitos da eletrônica e informática como um produto da chamada terceira revolução industrial. Observamos que nessa fase do capitalismo surge, mesmo que ainda em germe, novas relações sociais de produção. Tais relações se caracterizam fundamentalmente pelo processo cooperativo e livre de trabalho que se estabelece entre programadores de computador em todo mundo interligados pela Internet. Tal situação, talvez, confirma os prognósticos de Marx ao afirmar que paralelamente à centralização da riqueza social nas mãos de poucos, desenvolve-se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente. O que acontece atualmente no âmbito do ciberespaço pode ser um indicativo, ainda que em germe, dos rumos tomados por nosso sistema produtivo atual, mesmo que esses rumos sejam precedidos por rupturas e convulsões sociais e políticas.