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G. Ciências Humanas - 8. Psicologia - 12. Psicologia

DO MANICÔMIO PRA CASA: NOVOS CAMINHOS PARA A SAÚDE MENTAL

Paula Lampé Figueira 1
Rafael Rubens de Queiroz Balbi Neto  1
Sabrina Ribeiro Cordeiro 1
Nathália Borba Raposo Pereira 1
Leila Aparecida Domingues Machado 2
(1. Universidade Federal do Espírito Santo/ UFES; 2. Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo/ UFES)
INTRODUÇÃO:

O Movimento da Reforma Psiquiátrica aponta para a desinstitucionalização da loucura, visando a desconstrução do modelo asilar-manicomial e propõe a criação de novos modelos de atenção psicossocial. Esse processo não se limita somente à desospitalização, mas vai para muito mais além dos muros dos hospitais. A desinstitucionalização da loucura é um exercício de libertação de toda tutela e dominação produzidas pela psiquiatria clássica e pela sociedade capitalista. Dessa forma, o movimento propõe a criação de serviços substitutivos ao modelo asilar-manicomial de atenção e cuidado à loucura. Entre eles situa-se o Serviço Residencial Terapêutico, como alternativa de moradia para egressos de hospitais psiquiátricos ou para novos pacientes que não tenham condições de moradia. Com a preocupação de que essas residências não repitam o modelo hospitalar, há uma discussão que prefere chamá-las de Dispositivos Residenciais, já que o termo Serviço Residencial Terapêutico pode ser entendido mais como um serviço do que como uma moradia de fato, onde as pessoas irão reconstruir suas vidas. O presente trabalho tem como principal objetivo a análise do processo de implementação das primeiras residências do Espírito Santo, situadas no município de Cariacica e inauguradas há pouco mais de um ano.

METODOLOGIA:

Adotou-se a entrevista semi-estruturada e a pesquisa participante como instrumentos de coleta. Realizou-se entrevistas com moradores e cuidadores dos Dispositivos Residenciais, bem como com alguns moradores da comunidade. Os roteiros de entrevista foram elaborados antecipadamente (junto da professora orientadora). Depois marcou-se um horário com moradores, profissionais e membros da comunidade para a entrevista, que assinaram um termo de consentimento que esclarecia qualquer dúvida quanto ao sigilo das informações que seriam ali colocadas. Algumas entrevistas foram gravadas em áudio e outras em vídeo, de acordo com a preferência do entrevistado. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas para facilitar a análise. Desde o primeiro mês da realização da pesquisa, os alunos bolsistas acompanharam as atividades de moradores, cuidadores e membros da comunidade. Esse acompanhamento se dá pela realização de visitas de aproximadamente seis horas semanais, incluindo as saídas com os moradores pela cidade. Tudo é registrado em um diário de campo, que mostra-se muito útil para se fazer o cruzamento dos dados coletados nas entrevistas com o que foi vivenciado em campo. Também existe a produção de um vídeo integrado à pesquisa (ainda em andamento) para posterior divulgação a ser feita em congressos e eventos relacionados à temática investigada.

RESULTADOS:

Os moradores mostram claramente a satisfação de não morar mais num hospital, e sim numa casa. Agora eles lavam suas próprias roupas, cuidam de casa, fazem compras no supermercado, freqüentam o CAPS e circulam pela cidade. A liberdade de sair da casa existe, mas freqüentemente as cuidadoras mostram uma certa preocupação com o que pode acontecer com eles nessas saídas. É interessante observar que as mulheres preferem cuidar de casa, enquanto os homens preferem circular pela cidade. Existe um bom relacionamento com a comunidade vizinha às residências. Assim, os moradores preferem a residência ao hospital, pois na casa possuem mais liberdade e autonomia para gerir suas vidas. Porém reclamam da dificuldade de conseguir um emprego por terem o estigma de egressos de hospital psiquiátrico. Os funcionários também preferem a residência. Mostram uma postura engajada com os princípios da reforma psiquiátrica, acreditando em novas formas de atenção e cuidado à saúde mental. Contam que na residência há uma carga maior de trabalho do que no hospital; porém, por não depender de prescrições rigorosas, o trabalho permite posturas mais inventivas. Entretanto, algumas vezes encaram sua atividade como exclusivamente doméstica. A comunidade inicialmente mostrou resistência e preocupação devido a implementação das casas no bairro. Afinal, são moradias para "loucos" e ainda existe um grande preconceito relacionado a essa questão. Entretanto, mostram uma boa convivência com os moradores.

CONCLUSÕES:

A saída para os Dispositivos Residenciais mostra-se como "a luz no fim do túnel", permitindo formas de trabalho mais coletivas e menos endurecidas, possibilitando não só a desinstitucionalização da loucura, mas também a desconstrução do modelo manicomial de trabalho no campo da saúde mental. O Dispositivo Residencial torna possível a criação de novas formas de existência tanto para o "louco", quanto para o trabalhador, onde a autonomia na gestão das vidas dessas pessoas manifesta-se de várias maneiras em seus cotidianos. Esse novo caminho da saúde mental, "do manicômio pra casa", mostra-se como dispositivo que possibilita de fato a desinstitucionalização da loucura e do trabalho nessa área. Mas pode também reterritorializar a lógica manicomial ainda tão presente na sociedade, principalmente no plano invisível do cotidiano dessas casas. Como um dispositivo pode disparar tanto práticas de liberdade quanto de aprisionamento, muitas vezes, a cristalização produzida no hospital ainda se manifesta nos dispositivos residenciais. Dessa forma é importante sempre colocar em análise as práticas que se dão nesses espaços: para que funcionam? Para onde se direcionam? Produzir novos olhares e novos saberes nesse campo em construção, eis o grande desafio da luta antimanicomial para que realmente o caminho "do manicômio pra casa" se direcione de verdade para uma real liberdade para a loucura.

Instituição de fomento: Universidade Federal do Espírito Santo
Trabalho de Iniciação Científica  
Palavras-chave: Saúde Mental; Reforma Psiquiátrica; Dispositivo Residencial.
Anais da 58ª Reunião Anual da SBPC - Florianópolis, SC - Julho/2006